domingo, janeiro 18

O Aborto

O radicalismo de certos argumentos é meio caminho andado para o descredito dos mesmos. Chateiam-me tanto as jovens que se manifestaram com slogans bárbaros escritos no ventre, como os despautérios obnóxios de João Pereira Coutinho no último artigo no Expresso. Que estas jovens esquerdistas se considerem donas e senhoras dos seus ventres e do que se passa lá dentro acho muito bem, ser dono responsável de um corpo é uma forma de pouparem muitos trabalhos à sociedade. Agora que as senhoras reduzam a questão do aborto à posse de determinado ventre é uma simplificação estúpida e perigosa. Estúpida porque despenalizar não significa liberalizar, a intenção é que se façam cada vez menos abortos mas que os poucos que for imprescindível fazer sejam feitos em segurança. Perigosa porque reduz uma séria questão social e política a um esgrimir de slogans de choque totalmente contraproducente. Que João Pereira Coutinho seja contra ou a favor do aborto é me totalmente indiferente. Eu também sou contra a guerra e contra a pena de morte. Coisa que JPC não é, presumo, pelo que diz mais à frente no mesmo artigo. Mas ser contra ou a favor do aborto no plano ético e moral não deveria significar ser a favor da sua penalização por parte do Estado. Neste caso concreto do aborto o papel da sociedade não é proibir, mas prevenir. Eu acredito em sociedades de seres humanos responsáveis, onde as opções individuais desde que legitimas devem ser respeitadas. Agora que o senhor Pereira Coutinho classifique de abutres os políticos que, de uma forma perfeitamente legitima e digna pugnam pela despenalização do aborto é para lá de estúpido e extremamente perigoso. Um dos poucos debates políticos deste pequeno país que tem nada de eleitoralista é o do aborto. Ser a favor da despenalização do aborto não é uma manobra eleitoralista é uma questão essencial para a criação de uma civilização justa. O senhor Pereira Coutinho julga, do alto do seu paternalismo moralista, que o drama destas mulheres que abortam deve ser tratado em privado, às escondidas, nos confessionários, ou no quarto dos fundos como antigamente. Para ele o Estado deve passar a mão pela cabeça dessas infelizes que abortam perdoando-lhes a falta de moral. A questão ética que aqui se coloca é precisamente a visão de um estado e de uma sociedade civilizada que em vez de educar e de respeitar as escolhas penaliza e proíbe. Um pouco como o pai que açoita em lugar de ensinar. É pena que com a mesma veemência que o senhor Pereira Coutinho é contra quem defende a despenalização do aborto não seja contra a morte de inocentes em guerras estúpidas. O estado em que eu acredito é um estado que na sua organização compreende as debilidades do ser humano e que as tenta colmatar pelo exemplo e não pela punição. Os americanos que o senhor Pereira Coutinho defende e que em algumas coisas são mais lógicos do que nós, discutem este assunto de forma correcta. Eu sou “pro choice”.

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