sábado, março 26

O FIM DOS DIAS

Lenta penumbra crescente.
Lá fora
o dia
está prestes a ser abatido.

Ouvem-se os passos dos lavradores
os cascos ferrados dos machos
o rodado das carroças.
Pressente-se uma quietude sobre a calçada
uma distendida bonomia
à antiga portuguesa
nas cantilenas avinhadas
dos jornaleiros ao fim da jorna.

Lá fora
na vida deles
não há por onde um homem se perder.
A estrada bordejada de hortênsias
nunca engana
o caminho para casa.
Invejo o corpo cansado de quem labuta no campo
a única maneira decente
de se ser sedentário em movimento.

Séculos de distância
um imenso Oriente
separa-me de Lao Tse
e da volta ao mundo em redor do meu quarto.
Habito uma morada efémera
junto à estrada para Água de Pau
procuro em terra uma âncora
onde assentar arraiais.

Estamos em 1985.
Entre Jack Kerouac e Miguel Torga
não sei onde deva parar
... se deva parar.



Casa Amarela, Termo da Lagoa, Janeiro 1985

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