quarta-feira, maio 11

Ti Tô! Ti Tô! Ti Tô!

Ontem, numa linha do hipermercado, com peso a mais no meu braço esquerdo, esperava eu, com impaciente paciência a minha vez, dei com uma senhora de carrinho cheio atrás de mim. As mercadorias que enchiam o carrinho incluíam uma criança com, certeza, menos de dois anos. Quando a criança se acalmou o bastante para se concentrar nas minhas fuças, arrancou com entusiasmo a chupeta e exclamou em tom de felicidade de fralda nova.
- Ti Tô! Ti Tô!
Não percebendo patavina do que poderia querer expressar a exclamação da menina, preparei-me para esboçar um sorriso, mas não tive tempo. Do lado da boca da suposta mãe veio, em forma de berro, a criança tinha obviamente a quem sair, a não desejada tradução.
- Não é o ti Antone! Não é o ti Antone! Não é!
Engoliu algum ar e continuou.
- Essa pitchêna!?! Essa pitchêna sempre que vê um gordo pensa que é o ti Antone! Que pitchêna é esta!?!
- Ti Tô! Ti Tô! Ti Tô!
- Êi mulher, que horror! Tê ti Antone não é tão gordo assim!
Petrifiquei um forçado sorriso na boca e deixei que a senhora continuasse a atirar-me palavras que eu tentei deixar de ouvir, mas cada uma atingia o meu cérebro como uma bola numa máquina de pinball. Virei-me para inspeccionar a fila, que não era comprida mas que de repente se tornara tão longa. Atrás de mim a criança repetia o seu monólogo.
- Ti Tô! Ti Tô! Ti Tô!
E a criatura que puxara a sua carroça até à minha proximidade, virávasse agora para quem lhe desse atenção, longe ou perto.
- Blá, blá, sempre que vê um gordo, blá, blá, esta criança adora aquele ti Antone, blá, blá, ti Antone não é tão gordo assim, blá, blá, blá, se tê ti Antone visse isto ia ficar zangado e dizer que diabo de comparação é essa, blá, blá!
Cego dos ouvidos mal percebi que a senhora da registadora me cumprimentou e começou a contabilizar as minhas compras. Tudo me pareceu muito lento excepto a velocidade da voz daquelas duas criaturas que me perseguiam.
Logo que foi possível peguei no que era agora meu e escapei. Ao longe ainda percebi que a senhora da registadora seria também vitima da excitada explicação da minha relação de parentesco com aquela criança que, em má hora, se não foi uma hora mais parecia, se desencantou com a sua chupeta.

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