sábado, agosto 20

ÍCONES DO SÉCULO XX - # 2



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HUGO PRATT ficará para sempre colado à imagem do seu herói errante e radicalmente descomprometido: Corto Maltese de seu nome e com uma genealogia cartográfica que remonta o seu nascimento a 1887 em La Valleta (Malta), como resultado acidental de um cruzamento entre uma Andaluz de sangue gitano e um inglês natural da Cornualha. Quanto a Hugo Pratt a sua biografia não será menos acidental. Pratt nasceu em 15 de Junho de 1927 em Rimini e passou a sua infância em Veneza até aos 10 anos de idade, nesse ponto parte para a Abissínia, antiga colónia Italiana (hoje g.m. corresponde à Etiópia e Eritreia) onde vive até 1943. Vítima das circunstâncias foi prisioneiro de guerra dos Ingleses e também dos Alemães! Depois da guerra, e novamente em Veneza, subsiste como ilustrador da revista «Às de Espadas», até que em 1949 parte com destino à Argentina. Mais tarde, em 1967, encontrará o mítico Corto Maltese na «Balada do Mar Salgado».

Posteriormente, no início da década de 70, Hugo Pratt ancorou transitoriamente nas margens do Sena. Em Paris dá forma à série «Sob o Signo do Capricórnio»...daí em diante continua a explorar o Mundo com Corto Maltese. Será por certo este que lhe recomenda uma pátria neutral para o descanso da circum-navegação de uma vida inteira. Assim, em 1984, Pratt assenta domicílio em Grandvaux, um lugarejo Suíço bem nos antípodas das aventuras dos Trópicos e dos Mares do Sul.

Hugo Pratt e Corto Maltese exportaram a BD para o mundo dos adultos impondo-a como iconografia deste Século, concorrendo para a elevação da BD ao estatuto de 9ª Arte. Mas, se hoje a sua obra é venerada por universitários, merecendo por outro lado Corto Maltese o predicado de «Ken» dos intelectuais, não deixa de ser irónico que Hugo Pratt tenha iniciado a sua carreira criando de empreitada uma série de westerns e policiais destinados a serem lidos no comboio pela classe operária como entretenimento a caminho do trabalho. Esta «estória» remonta à longínqua Argentina onde este desconhecido Veneziano começa a sua carreira na companhia do «Sargento Kirk». Esta personagem de soldado desalentado e desertor serviu de ensaio a Corto Maltese, reconhecendo Hugo Pratt que «um marinheiro tem uma dimensão mais romântica do que um cowboy, porque ele vai para lá da linha do horizonte».

Efectivamente, no ano de 1949 Hugo Pratt aceita uma proposta de trabalho em Buenos Aires que perdurará até 1962. Nesse período gaúcho são editadas pranchas a rodos para os jornais, e para a dita classe operária, mas é também nesse período que surge a série do Sargento Kirk e é na sequência dessa viagem que surge a mítica «Balada do Mar Salgado», onde emerge pela primeira vez Corto Maltese. Porventura nessa longínqua Buenos Aires terá Hugo Pratt ligado o seu destino a uma nova e emergente ficção cujos nomes hoje em destaque são Adolfo Bioy Casares, Roberto Arlt, Ernesto Sabato, Julio Cortazar e o eterno Jorge Luís Borges. Com este lastro os argumentos de Pratt têm uma densidade que com propriedade se poderia dizer que com ele nasceu um novo género literário: o romance gráfico!

A maioria das obras de Hugo Pratt têm contudo um contexto histórico real, que merecia do autor um amplo trabalho de pesquisa, cuja minúcia descia ao rigor do «guarda-roupa», com uma elegância «Armaniana» tantas vezes ostentada pelas personagens que habitam os seus livros. Por outro lado, e como contraponto a esta tirania dos factos e dos fatos, Hugo Pratt libertava as suas personagens num cenário ficcional deixando-as urdir o seu destino ou serem consumidos por ele. Nesta arte há reminiscências de literárias de Joseph Conrad, Herman Melville e Jack London que pertenciam ao seu ciclo de escritores predilectos.

Hugo Pratt deixou-nos Corto Maltese que,nas suas palavras,não encontra no leitor alguém com quem este se identifique,mas por certo qualquer leitor gostaria de ter um amigo como Corto. Hugo Pratt disse que a sua arte ocupava um lugar menor no palco mediático e só «no Verão, quando toda a gente vai para a praia, os políticos não são notícia e não há nada de mais interessante ou preocupante de que falar...então, decidem falar de BD». Pouco importa se teve ou não razão, pois deixa-nos uma obra tão vasta que um Verão não chegaria para a degustar.

Pratt morreu em Lausana a 20 de Agosto de 1995...Corto Maltese desapareceu em Julho de 1936 a caminho de Espanha para se juntar às Brigadas Internacionais ao lado dos «Republicanos».



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Para uma interessante Geografia Acidental de Corto Maltese AQUI fica a recomendação de um artigo de UMBERTO ECO

Para uma Biografia de Corto Maltese clique AQUI

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