segunda-feira, setembro 19

REFLEXÕES AUTÁRQUICAS

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Nas próximas eleições autárquicas a lucidez do voto, inevitavelmente bipolarizado, está em saber escolher entre a competência solidificada em obra feita, a capacidade de manter uma gestão municipal sustentável, a vantagem de uma presidência com poder de afirmação e, em contraponto, o mais despudorado arrivismo pessoal, o frete partidário, ou o capricho da notoriedade política. Será assim em Ponta Delgada como nos restantes concelhos de Portugal.

Porém, neste período de pré campanha e instigados pela reforma arquitectada pelo Eng. José Sócrates na mitigada limitação de mandatos dos presidentes de câmara e na criação de um regime de gestão limitada entre a realização de eleições e a tomada de posse dos novos órgãos eleitos,seria oportuno o debate e a reflexão pelo menos sobre duas questões recorrentes do municipalismo Português.

É hoje de bom tom entre as hostes Socialistas apontar como pecha do actual sistema de governo municipal o que denominam por Presidencialismo Municipal que,em bom rigor, é apenas uma refracção personalista ou da «pessoalização» dos actos eleitorais. Convenientemente esquecem agora que em tempos recentes o mesmo Partido Socialista chegou a apresentar na Assembleia da República uma proposta de lei que visava o reforço do mal amado Presidencialismo Municipal, já que permitiria a livre escolha do executivo camarário por indicação directa do presidente de câmara eleito. Esta reforma, para a qual havia e há uma ampla convergência de opiniões, facilitaria ao presidente de câmara municipal eleito escolher livremente o núcleo da sua equipa de vereadores. Esta opção de regime seria mais congruente com a realidade eleitoral já que o presidente de câmara municipal é, para o bem e para o mal, o rosto de toda a gestão municipal. Esta reforma, que ainda não foi ensaiada entre nós, teria ainda o mérito de cumulativamente reforçar e dignificar a acção política das Assembleias Municipais, porquanto,das duas uma:ou o presidente de câmara municipal seria o cabeça de lista da que fosse mais votada para a Assembleia Municipal (solução em tempos defendida pelo Partido Socialista), ou todo o executivo municipal seria designado pela própria Assembleia Municipal (solução não menos democrática e com ampla tradição na vizinha Espanha). Ao invés de tudo isto temos um sistema que se diz ser Presidencialista mas que afinal está tolhido pelo esquema das listas que não raras vezes se traduz num intricado problema político.

Uma outra reflexão que se impõe parte da óbvia relação de proximidade entre os cidadãos e o poder local que, apesar de constrangimentos vários,por um lado, resultou no reconhecimento legal do princípio da subsidiariedade e, por outro lado,aconselha a uma equitativa colaboração entre os Governos Regionais e da República e as Autarquias em geral. Efectivamente, em corpo e letra de lei o Estado reconheceu que as atribuições e competências do mesmo devem ser exercidas pelo nível da administração melhor colocado para as prosseguir com racionalidade, eficácia e proximidade aos cidadãos. Isto é, em suma, o princípio da subsidiariedade.

Para tal o Estado, em teoria, acaso transfira atribuições e competências deve fazê-lo com a respectiva «guarnição» de meios humanos, recursos financeiros e patrimoniais. Na prática, o Estado é useiro e vezeiro em fazer letra morta da própria lei que engendrou, limitando-se de modo displicente a transferir, por mero decreto, as suas responsabilidades. Um exemplo impressivo desta prática de desresponsabilidade foi a reacção do Eng. José Sócrates ao prometer lançar processos de contra ordenação contra as Autarquias que não cumpriram com as normas de prevenção contra incêndios, cujo ónus foi em parte trasladado do Estado para as mesmas sem a correlativa transferência de meios materiais e humanos. O princípio da subsidiariedade recomenda ainda uma colaboração activa dos Governos Regionais e da República com as Autarquias,todavia, a realidade exibe uma colaboração unilateral e unicolor apenas com as Autarquias que estão «em sintonia política» com o poder da rosa. Outro exemplo impressivo desta prática, embora reduzido à sua dimensão local, é o bloqueio do Governo Regional dos Açores a uma solução para a edificação de um Pavilhão MultiUsos no que resta do degradado edifício do Matadouro Municipal de Santa Clara, ou o impasse deliberado do Governo da República na resolução de um Conselho de Ministros para o Projecto da Polícia Municipal para Ponta Delgada, cuja candidatura foi aprovada e está na gaveta Ministerial desde que tomou posse o Governo Socialista!

Como se vê, com ou sem subsidiariedade, o certo é que a instrumentalização política de competências Constitucionais que são do Estado não tem de todo servido os interesses das populações para quem foi criado e existe o poder local.

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JNAS na Edição de 20 de Setembro do Jornal dos Açores

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