terça-feira, novembro 29

Ilhas # 1





Corvo: a ilha Farol


Fui hoje ao aeroporto esperar um amigo que vinha de Lisboa. Encontrei lá o dux veteranorum da blogosfera açoriana e o Tomás, velho colega dos tempos do Pedro Nunes, que estava de passagem por Ponta Delgada a caminho da Turquia. Devo esclarecer que o Tomás reside em Angra do Heroísmo. Adiante. Tivemos um cofee break muito agradável e aproveitámos para recordar o trabalho que desenvolvemos juntos para o Plano Director Municipal do Corvo, quando ainda não havia carreiras aéreas regulares para essa ilha e a actuação do Palhaço Pézinho no Largo do Outeiro era a coisa mais próxima que então existia do actual Festival dos Moinhos que, salvo erro, já vai na sua segunda edição. Hei-de estar sempre eternamente grato ao Tomás, que até nem é de cá, o ter-me desinquietado para o estudo do Corvo, porque foi a micro-história corvina que me fez compreender a essência da insularidade açoriana. A insularidade, ensinam os geógrafos, é uma simbiose de isolamento e vida de relação. E o Corvo representa, melhor que qualquer outra ilha, a forma exagerada dessa condição esquizofrénica. Quando eram o vento e as correntes marítimas a determinar as rotas na estrada atlântica, o Corvo era conhecido na gíria náutica pelo nome de ilha do Marco. Dá para perceber porquê. O minúsculo ilhéu era sempre o primeiro a ser avistado pelos marinheiros nas suas viagens de regresso à Europa, quando os barcos vinham com o bandulho cheio de especiarias e metais preciosos. O Corvo era uma espécie de navio-farol que assinalava a entrada na barra açoriana e Angra, onde estava fundeada a Armada das Ilhas, era o vestíbulo de acolhimento e refresco para a última etapa da travessia atlântica de regresso a casa, fosse ela Lisboa, Sevilha, Londres ou Antuérpia.

Os corsários, que não estavam para fatigas e apanhavam as presas a meio caminho, adoravam o Corvo. É frequente toparmos na documentação quinhentista e seiscentista com expressões deste tipo: lavrar os mares nas paragens do Corvo. Por regra os corsários deixavam os corvinos em paz e, se exceptuarmos os ataques dos Condes de Cumberland e Essex no período da dominação filipina, as relações até eram bastante cordiais, quando não cúmplices. A água doce e os frescos em abundância faziam do ilhéu uma loja de conveniência para os routiers do Atlântico norte. À sua maneira, o Corvo também conheceu o cheiro da centralidade. Quando veio o tempo da navegação a vapor transformou-se num apeadeiro ferroviário abandonado. Quase que o conheci assim, no seu isolamento romântico e comunitário. Ainda deu para me sentir adamita ao tomar banho nú na Lagoa do Caldeirão. Obrigado, Tomás.

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