sábado, dezembro 17

LARANJAS AO NATAL



Um dos pregões frequentemente ouvidos nas ruas da Londres setecentista era o dos vendedores de fruta a gritarem Fine China oranges, fine lemons, sweet juicy oranges, buy my sweet oranges. Atendendo à época, é muito provável que a laranja então apregoada pelos vendedores londrinos não fosse chinesa, antes brasileira ou açoriana, mas a fama da laranja doce da China, citrus sinensis, compreende-se pelo facto de, tal como o Sol, todos os citrinos nascerem no Oriente. Se dúvidas houvessem, bastaria recordar o nome de um deles, a mandarina, para perceber a origem geográfica do fruto.

Os Europeus começaram a provar laranjas na Idade Média pela mão dos Árabes, que não só detinham o monopólio comercial de tudo quanto vinha da Ásia, como introduziram o cultivo das laranjeiras nas regiões mediterrânicas submetidas ao domínio islâmico entre o século VIII e o XIV, designadamente na Sicília e na Península Ibérica. Dos laranjais do Al Garb e do Al Andalus a planta foi transplantada para a América pelos navegadores portugueses e espanhóis do século XVI, vindo a aclimatar-se de tal forma bem nessas paragens que, hoje em dia, os pomares do Brasil, Califórnia e Florida são os maiores produtores mundiais deste fruto.

A meio caminho da viagem transatlântica entre o Velho e o Novo Mundo ficam as ilhas dos Açores onde, segundo o cronista Gaspar Fructuoso, Jorge Nunes Botelho já possuía um rico pomar de frutas de espinho na sua quinta de Rosto de Cão, ao Poço Velho, em meados do século XVI. Desconhecemos qual a estirpe destas célebres laranjeiras, se algarvias ou brasileiras, mas a sua aclimatação foi decerto excelente, pois na primeira metade do século XIX os pregões que se ouviam nas ruas de Londres, lançados pelas vendedoras de fruta nas imediações do mercado de Covent Garden, eram já os de Come buy my juicy St. Michael. Por um breve período de tempo, entre 1840 e 1860, os predicados da fruta micaelense sobrepuseram-se à fama da laranja chinesa e retardaram por algumas décadas a hegemonia dos citrinos espanhóis de Valência no mercado inglês.

Todos os anos a partir de Novembro, a baía de Ponta Delgada ficava coalhada de escunas aqui fundeadas para embarcarem um carregamento de laranjas que, com ventos de feição, chegava às Docklands londrinas no início de Dezembro, mesmo a tempo de adoçar e colorir a quadra natalícia dos ingleses. A apregoada juicy St. Michael não só era a fruta da estação por excelência, no sentido alimentar do termo, como se tornou um símbolo ornamental do Natal vitoriano, cujo ambiente e características Charles Dickens tão bem popularizou no seu conto A Christmas Carol (1843), o que aliás lhe valeu ser designado o homem que inventou o Natal. O mérito não lhe cabe apenas a ele, pois o marido da rainha Vitória, Alberto de Saxe Coburgo, tio do nosso D. Pedro V, também ajudou à invenção da tradição natalícia vitoriana ao introduzir o costume germânico da tannenbaum, a árvore de Natal, na sociedade britânica da segunda metade do século XIX.

Era, e ainda é, ao redor da tannenbaum, por regra um abeto norueguês, que se organizavam grande parte dos rituais característicos da quadra, desde a ornamentação da árvore e iluminação da sala, até ao momento da abertura das prendas, tradicionalmente suspensas nos galhos do abeto, ou então escondidas dentro das famosas christmas stockings que, penduradas junto à lareira, se tornaram em si mesmas um símbolo do Natal.

Qualquer que fosse a latitude social da família inglesa considerada, desde os reis ao mais humilde eastender , os rituais da quadra acabavam sempre por incorporar o fruto colhido nos pomares de São Miguel. Nas casas ricas, a laranja aparecia à mesa transformada em doces e guloseimas e, além disso, era profusamente utilizada para efeitos decorativos. Nas casas pobres, o fruto era, simultaneamente, ornamento da árvore e prenda deixada às crianças na meia do Pai Natal. Muitos anos depois, 155, para ser preciso, de Charles Dickens ter publicado David Copperfield ,aquece-me o coração imaginar que as laranjas dos Açores foram a única recordação verdadeiramente doce que esses putos guardaram do Natal.



MERRY XMAS, blogosfera.

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