domingo, setembro 10

Saúde !

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"O jantar findava. Fora, o sol deixara o terraço e a quinta verdejava na grande doçura do ar tranquilo, sob o azul-ferrete. Na chaminé só restava uma cinza branca: os lilazes das jarras exalavam um aroma vivo, a que se misturava o do creme queimado, tocado por um fio de limão: os criados, de coletes brancos, moviam o serviço de onde se escapava algum som argentino: e toda a alva toalha adamascada desaparecia sob a confusão da sobremesa, onde os tons dourados do Vinho do Porto brilhavam entre as compoteiras de cristal."

Eça de Queiroz / "Os Maias"
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O Vinho do Porto continua a brilhar mundo fora levando consigo o melhor da arte Portuguesa esculpida nas encostas do Douro. Coroa de glória da mais antiga região demarcada do Mundo, o Porto faz-se acompanhar de um séquito cada vez mais valoroso de tintos e brancos. Actualmente algumas heréticas bastardias têm gerado impensáveis vinhos espumantes e até rosé.

A Região Demarcada do Douro, Património Mundial por classificação da Unesco, remonta formalmente há 250 anos quando, em 31 de Agosto de 1756, "os principais lavradores do Douro e homens bons da cidade do Porto" assinaram com o visionário Marquês de Pombal o articulado estatutário da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro, subsequentemente confirmado por alvará régio de D. José em 10 de Setembro do mesmo ano.

Assim se fundou a demarcação da região duriense cuja circunscrição actual remonta à última alteração operada em 1921, mas cuja região vitícola é assinalada historicamente em documentos que remontam à ocupação Romana e são expressamente vertidos em letra de lei em documentos Medievais, como por exemplo, no Sec. XI os forais de São João da Pesqueira. Curiosamente nos Sec. XV e XVI os vinhos brancos eram os vinhos de maior cotação na região. Mas, no final do Sec. XVII o Vinho de Porto tomava de assalto o trono da região demarcada. Recorde-se a propósito que, para a consagração do Porto contribuiu o patrocínio do tratado de Methuen, obrigando-se a Inglaterra a conferir um tratamento preferencial ao Vinho do Porto em detrimento do consumo de zurrapas francófonas!

Tratando-se de uma indústria Portuguesa, cedo se produziram fraudes recorrendo a mistelas com vinhos de outras regiões ou uvas cultivadas fora do terroir do solo duriense. Vigilante, o implacável Marquês de Pombal, mitigou fortemente os embustes vitícolas criando a região demarcada através de marcos de pedra com a inscrição "feitoria" que limitavam as explorações cadastradas na Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro. A Companhia cadastrou as quintas produtoras, fixou quotas de produção e fiscalizou o cumprimento da interdição da introdução de vinhos estranhos na região. Em suma: executou uma política de qualidade e genuidade do vinho produzido no Douro cujos alicerces apenas tremeram com a calamidade da filoxera nos anos 70 do Sec. XIX. Superada a crise com novos vinhedos o Porto surge rejuvenescido, dignificado e diversificado. Essa renovação fica marcada com a tipologia de Vinho do Porto consolidada no final do Sec. XIX arrumando-o em vinhos vintage, tawny e ruby. Hoje, passados precisamente 250 anos da fundação deste Património Português, o Douro continua em renovação. Exemplo dessa permanente inquietação está na expectativa da entrada no mercado dos Vinhos Tintos da Quinta do Noval (com a estreia de um Tinto 2004) produzido pelos mestres do mítico Porto Vintage Quinta do Noval Nacional. Na esperança de que o preço não ascenda às altitudes impensáveis do Porto Vintage Quinta do Noval Nacional aguardo com curiosidade mais um fruto nado e criado na mais insigne e antiga região demarcada do mundo: o "nosso" Douro. Saúde.
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posted by João Nuno Almeida e Sousa

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