sexta-feira, agosto 1

O fácies do centralismo

O centralismo é um cancro. (A sua metástase típica emerge no proteccionismo de Estado que alimenta monopólios que, a pretexto do serviço público ou de outras mitomanias, servem-se a si próprios atoucinhando os oligarcas do costume e os habituais "filhos-família" da República.). Uma etiologia da nossa República há muito que sustenta que o centralismo é de facto uma das causas do atraso, e até regressão, desta terra hipotecada a Bruxelas. Porém, as Autonomias de qualquer poder (regional ou local) são sempre vistas como corpos estranhos cuja presença se tolera com incómodo. No picaresco percurso da revisão do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores – (para abreviar: a nossa constituiçãozinha) – era já previsível a sua ampla mutilação quando o centralismo da República obrigou, com a cumplicidade dos nossos deputados, à ablação da referência ao "Povo Açoriano" num atavismo de medo que se perpetua ao longo dos séculos. Consequentemente, era de esperar que o Senhor Presidente da República, exercendo os seus poderes, logo tranquilizasse os Portugueses garantindo férrea fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma que, ab initio, até fazia a herege referência ao "Povo Açoriano" ! Poderia era ter o pudor de disfarçar o gáudio que teve em relação ao seu dever de ofício. A surrealista comunicação ao País foi um acto de júbilo para Cavaco Silva e a sua oportunidade de afirmação como macho alfa dominante da República Portuguesa.

Paradoxalmente, a caravana passa ao lado do vociferante alarde de alerta para as perigosas Autonomias quando o País, no seu todo, vive uma crise real. Ademais, esta exibição de músculo, e de viril testosterona, contra as Autonomias podia e deveria ter sido canalizada tempestivamente para a Pátria que, recentemente, chegou ao cúmulo de ter a capital sitiada por uma greve de camionistas à conta da falta de coragem dos donos da República para tomarem as medidas que se exigiam. Estes e outros exemplos, como o caso das assinaturas de favor de um putativo licenciado em engenharia que é hoje, por força dos epifenómenos da mediatização, primeiro-ministro, nunca motivaram sequer um comunicadozito da Presidência da República. Nunca demandaram sequer um decreto de autoridade pondo ordem na choldra ! Pasmo agora que, à conta de meia dúzia de normas estatutárias, o Senhor Presidente da República suba ao púlpito desta República para zurzir o seu sermão aos farisaicos delatores da sua Constituição ! O País real que não fez zapping ficou moído com tanta justificação de forma para tão pouca substância. Além disso, há um manifesto erro de casting quando o Tribunal Constitucional já se tinha pronunciado sobre a matéria e, entretanto, o Senhor Presidente da República, porventura, querendo fazer notar aos Senhores Juízes do TC que ele é que é o mais alto magistrado da Nação, ainda se lembrou de suscitar mais umas quantas dúvidas sobre a parametrização Constitucional de umas quantas normas de absoluta inutilidade prática.

Em suma: vimos no fácies de Cavaco Silva um indisfarçável prazer em fustigar as Autonomias que diz prezar apenas porque o "politicamente correcto" assim o exige. Nós por cá ficamos a saber o quanto ainda hoje os Portugueses desprezam a Autonomia dos Açores e da Madeira. Eles por lá ficam a saber que têm um Presidente da República, com a mentalidade de um amanuense, que em vez de olhar para os problemas reais do País olha para os perigos virtuais dos excessos de voluntarismo formal das Autonomias.

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