terça-feira, abril 20

"Acautele-se" !

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Neste país das maravilhas ser-se cidadão é condição de espanto e assomo constante. Esta semana, como testemunha, fui a Tribunal cumprir, pela enésima vez, o meu dever de cidadão, que até respeita, sem temor reverencial, "A Justiça". Nesta Região, ainda mais maravilhosa do que o recreio do Sr. Pinto de Sousa, tinha lido recentemente, num jornal de referência, que o Digníssimo Senhor Procurador Geral da República - (creio que não falta qualquer título ao senhor que nisto de nobiliarquias – mesmo judiciais - não sou lletrado) - tinha classificado, em Ponta Delgada, a Justiça que se faz nos Açores como "excelente" e até "notável". Creio que foram estes os predicados. Porém, se os encómios forem mais generosos, do que os citados de cor, que me perdoem por falta de registo para memória futura. Noutros "tablóides" da praça vi o dito Procurador Mor, em instantâneo digital, na companhia institucional do Senhor Presidente do Governo Regional em audiência protocolar de apresentação de cumprimentos. O fotograma sugeria a mensagem subliminar de que por obra e graça do nosso Presidente a Justiça nos Açores também era de superavit ! Ardil manhoso pois qualquer cidadão, medianamente illustrado, sabe bem que a Justiça é uma competência da República e o Governo Regional não tem quaisquer responsabilidades no mérito ou demérito da Justiça que por cá se exerce. Seja como for, confiante de que era desta, lá me apresentei pontualmente no Tribunal, até porque nisto de multas judiciais por atrasos e afins não se brinca com o peso draconiano das ditas. Mensuráveis , aliás, em pesadas "uc´s" (i.e. "unidades de conta" que são uma espécie de câmbio judicial). O caso remonta a um loteamento de 1990 cujo autor, Deus o tenha, já não se encontra entre nós; a litigância, propriamente dita, é de 2000 quando as partes desavindas iniciaram o contencioso por alegado incumprimento de um contrato-promessa; nos anos zero do novo milénio petição inicial, contestação, e demais peças processuais, correm os seus termos devidamente apensadas e, nesta semana, a audiência de julgamento, já agendada recorrentemente, foi novamente adiada sine die após notificação recebida, há meses, para a sua realização no dia e hora marcada! Claro que só tivemos a graça de o sabermos depois de volvida uma hora sobre a chamada e após humildemente termos pedido um esclarecimento à secretaria do respectivo Juízo sobre o atraso da chamada…ou, pior ainda, se à mesma "tínhamos faltado" já pensando nas ditas "uc´s" ! A funcionária solícita informou que o adiamento tinha sido comunicado, na véspera, aos respectivos mandatários; que é como quem diz: "não façam perguntas difíceis que isso é com os Senhores Advogados". Estes, claro está, através dos respectivos escritórios, nem se dignaram também a avisar fosse quem fosse. Presumo que o processo vai-se arrastar por mais uns tempos e, porventura, irá encalhar noutro Senhor Juiz pois, com todas estas vicissitudes, mais rapidamente é promovido o titular do processo, ou no próximo movimento muda de comarca, do que o processo se decide. E ainda o calvário vai no adro dos suplícios pois ainda há que contar com eventuais recursos para instâncias superiores. Nem Kafka engendraria uma urdidura tão densa e imperceptível ao ignorante e comum dos mortais perante o oráculo da Justiça à Portuguesa. Bem sei que é grave erro de julgamento tomar a parte pelo todo e que este episódio isolado não mancha a imaculada qualidade da Justiça Portuguesa.
O mal, sejamos justos, não é da Justiça mas de Portugal. Um país que elege o "chico-espertismo" como modelo de Estado personificado no lastro de "casos" em que se envolveu, e envolve, o Sr. Pinto de Sousa e, masoquista e conscientemente, o reelege como primeiro-ministro, é porque se revê nessa gente. Afinal de contas este é o país onde, porventura, os casapianos vão dar com o cú no banco dos réus; o "lugar mal frequentado" onde advogados eméritos emolduram, como troféus, sentenças nas quais são diplomados como membros de "gangs internacionais" e no qual, outros tantos, locupletam, em espécie, os seus clientes ficando-lhes com propriedades, e outros bens, apesar de não terem mandato para tal nem "honorários" que o justifiquem; o paraíso onde germinam gestores públicos obscenamente pagos pelos nossos impostos sem que o Tribunal de Contas tenha meios legais para impedir que quem ocupe um desses lugares de responsabilidade pública possa ganhar mais do que um Ministro, e muito mais do que um Juiz, do Tribunal de Contas ou de qualquer outra instância, coisa que, aliás, não sucedia no tempo do "fascismo" pois tal possibilidade de esbulho da coisa pública estava proibida por lei; uma Nação em que nem sequer à Justiça das contas públicas da República repugna que uma senhora deputada, por sinal eleita pelo Partido Socialista, se exile em Paris aos fins-de-semana e durante os dias úteis de Parlamento faça o frete de vir a Lisboa com ajudas de custo dignas do saque de um tiranete do terceiro mundo ! Onde está a fibra de Portugal quando a mesma deputada, uma tal de Inês de Medeiros, a todos nós profere a injúria de afirmar que não considera grave que Sócrates tenha mentido à Assembleia da República sobre a negociata da PT/TVI ?
A Justiça em Portugal em geral, e nesta Região piloto, em particular, é tão "notável" e "excelente" - (parafraseando o Procurador Mor da República) – que aceita que um pedófilo encartado com título médico, e como tal qualificadamente apto pelas legis artis da Medicina Legal - (que aliás exercia como perito na barra do Tribunal e nas mesas da tanatologia) - para conhecer os danos corporais e morais que infligia às vítimas, veja revalidada, após providência cautelar, a sua licença para exercer medicina em geral e examinar quem pelas suas mãos passar, digamos, dos "7 aos 77 anos" como o Tintim ! Não é ficção. É notícia de primeira página do Açoriano Oriental de hoje. Quiçá, em sede de eventual recurso, o dito médico verá atenuada a sua pena disciplinar imposta pela respectiva Ordem, que já baixou dos 10 para os 5 anos a proibição do exercício de actividade, caso alegue que não é bem aquilo a que a Psiquiatria e a Psicopatologia tradicional designa como "pedófilo" mas, em bom rigor, é mais adepto da "ebofilia" com adolescentes pubescentes e de preferência do mesmo sexo, atenuante aliás pouco "católica" que tem sido esgrimida noutro contexto.
Comparado com este cenário um adiamento é um grão de areia que nada vale. A Justiça Portuguesa está bem e recomenda-se. Particularmente aos meliantes encartados, à cáfila de pervertidos das salas de jogos do "farfalha" e demais confrades, à camarilha organizada de corruptos e, infelizmente, aos profissionais do foro que se desviaram da sua cartilha deontológica.
Ao cidadão que medianamente faz a sua vidinha, com probidade, prescrevo o conselho de Vasco Pulido Valente numa crónica de 1990 sobre a Justiça - (atento o tema compreende-se a vetustez do escrito) - onde rematava um picaresco texto sobre o adiamento de um Julgamento, ao qual também fora chamado como testemunha, e acabou saindo como "prescindido" : "Eis, meu caro Amigo, a justiça portuguesa. Acautele-se. Não lhe caia nas mãos.".

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