segunda-feira, setembro 26

Presidentes

Retrato Talvez Saudoso
da Menina Insular


Tinha o tamanho da praia
o corpo era de areia.
E ele próprio era o início
do mar que o continuava.
Destino de água salgada
principiado na veia.

E quando as mãos se estenderam
a todo o seu comprimento
e quando os olhos desceram
a toda a sua fundura
teve o sinal que anuncia
o sonho da criatura.

Largou o sonho nos barcos
que dos seus dedos partiam
que dos seus dedos paisagens
países antecediam.

E quando o seu corpo se ergueu
Voltado para o desengano
só ficou tranqüilidade
na linha daquele além.
Guardada na claridade
do olhar que a retém.
...
Natália Correia
...
"Confia. Eu sou romântica. Não falto."
...



...
(Recepção do Presidente da República Portuguesa pela Presidente do Município de Ponta Delgada e Presidente da Junta de Freguesia de Fajã de Baixo - foto Vitor Melo)

O Presidente da República Portuguesa visita os Açores e o anfitrião de serviço, enquanto Presidente da Região Autónoma dos Açores, sublinha que não atribui especial relevância à deslocação oficial do Chefe de Estado Português ! Carlos César não pode, nem deve, omitir que não responde apenas por si próprio e pela sua corte mas, nestas circunstâncias, é o Presidente de todos os Açorianos, daqueles que nele votaram, e dos restantes que não merecem esta desdita. Também Cavaco Silva é o Presidente de todos os Portugueses, mesmo daqueles que nele não votaram, e até dos Açorianos que, por ora, integram o mesmo Estado, embora alguns - (como eu) - tenham entregue a sua alma à Pátria Açoriana, pelo que, o desdém institucional com que Carlos César recebe Cavaco Silva envergonha-nos a todos. Não há Açoriano que na sua marca identitária não tenha presente o culto e a honra de bem receber na sua própria casa. Que o digam, aliás, aqueles que aqui escolheram viver e que por essa escolha tantas vezes são tão ou mais Açorianos nos seus costumes, incluindo o bem receber, do que aqueles, como Carlos César, que foram aqui nados e criados.

No mínimo exigia-se do Presidente dos Açores um sorriso de conveniência e circunstância, coisa que é aliás tão simples de fazer que até o próprio reino animal replica. Que o diga o Presidente da República Portuguesa que em meditação bucólica confessou graciosamente, por sinal na Graciosa, que "reparava no sorriso das vacas, estavam satisfeitíssimas" (sic !). Com este olhar observador, Cavaco Silva, não deixará por certo de registar na sua visita oficial o "sorriso amarelo" de Carlos César enquanto Presidente do Governo Regional dos Açores, e até a sua ausência na especial homenagem que Cavaco Silva prestará, em São Miguel, à Cultura e à Poetisa Natália Correia com a inauguração do respectivo Centro de Estudos em cuja cerimónia Carlos César ostensivamente faz questão de não estar presente.

Entre a "cultura" e o "betão", entre a lisura institucional e o cascagrossismo, o Presidente da Região Autónoma dos Açores optou por inaugurar um troço de estrada (em bom rigor "de Vila Franca a Vila Franca"). Trata-se de uma manifesta afronta e uma provocação gratuita ao Presidente da República que apelou à coesão nacional, incluindo os Açores, pois, citando-o "estes tempos são de dificuldades e devem ser tempos de coesão, não tempos de divisão ou querelas estéreis".

A esta boa vontade o Presidente da Região Autónoma dos Açores responde com um frete ! Depois não nos podemos admirar da forma como somos olhados de soslaio por Lisboa quando, por dever de ofício, não cumprimos sequer os serviços mínimos da nossa Açorianidade que não dispensa ser-se bom anfitrião a quem aqui aporta. Perante uma oportunidade de em prime-time nacional o Presidente da Região Autónoma dos Açores levar uma imagem de modernidade ao resto do País optou por se demarcar da mesma. Mas, haverá quem assuma esse encargo, não só enquanto Presidente do maior Município dos Açores, mas também como alternativa credível, e por muitos desejada, ao actual Presidente do Governo Regional dos Açores. Além desta simbólica e ostensiva afronta institucional a voluntariosa ausência de Carlos César da inauguração do Centro de Estudos Natália Correia, na freguesia de Fajã de Baixo em Ponta Delgada, representa ainda um desprezo pela Cultura. Estranha-se efectivamente que o Presidente do Governo Regional dos Açores, que tutela directamente a "Cultura Açoriana", troque uma homenagem à intemporalidade da obra de Natália Correia pela transitoriedade de uns quilómetros de asfalto. Logo a Natália Correia que legou o seu espólio à Região Autónoma dos Açores e que a esta deu a letra do seu Hino. Natália Correia, a Açoriana, merecia melhor. Se fosse viva responderia em verso flamejante. Que os vivos, no futuro próximo, respondam a estes, e outros actos que nos indignam, com uma cruz num adequado voto de censura e mudança que tarda em chegar.

João Nuno Almeida e Sousa na edição de hoje do Açoriano Oriental

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