sexta-feira, julho 27

Online



Por vezes – e cada vez mais frequentemente – a Europa irrita-me. É daquela irritação que queima frustração como combustível. Hoje um senhor Christian, operador de um centro de contactos de um comércio online baseado no Reino Unido, informou-me que “For orders to Portugal, you have to visit our Spanish website. Unfortunately it's not possible to ship to the Azores islands”.

Ora, na resposta, expliquei ao Christian algumas coisas, entre elas:

- O vosso “spanish site” não é “spanish” coisa nenhuma se engloba Espanha e Portugal. Faça favor de referir-se a esse vosso site como site ibérico;

- Quanto a não enviarem para os Açores (também não enviam para a Madeira e Canárias), convirá, para a saúde do vosso negócio, e, já agora, num plano mais metafísico, para a noção de Europa, tratarem de melhorar o vosso jogo – sou uma cliente frequente de outro comércio online do mesmo ramo que o vosso, mas com uma substancial diferença: esses outros senhores estão do outro lado do mundo, em Hong Kong, e colocam os seus produtos à porta de minha casa em 5 dias e com uma muito bem-vinda particularidade que dá pelo nome anglófono de “free shipping” (e interface em português e preços competitivos e bónus de lealdade). Aposto que existem madeirenses e canarinos que podem atestar o mesmo.

O mais espantoso disto tudo é que os produtos que estes dois comércios online vendem são iguais. Igualinhos em todas as suas características, entre elas a ocidentalidade de origem. Num e no outro caso estamos a falar de perfumarias online que vendem marcas como Lancaster (Mónaco), Collistar (Itália), Lancôme (França) e Clinique (EUA).

A diferença é que os chineses conseguem colocar estes produtos à porta da casa de açorianos a preços convidativos e sem considerações de custos de envio, ao passo que os europeus parecem não conseguir movimentar os seus próprios produtos dentro do seu próprio espaço comum – e fazê-lo sem custos de envio é miragem.

Porquê? Não sei. Desde complicações regulatórias, burocracias insustentáveis, falta de sageza comercial, excesso de umbiguismo e mais o que puderem lembrar, parece-me valer tudo.

No entretanto, não faltam comércios online baseados em países asiáticos prontos a oferecerem Free Shipping Worldwide, em parangona nos primeiros pixéis dos seus websites, por onde desfilam paradas de produtos europeus e norte-americanos.

Para comprar um creme italiano, o dinheiro vai parar à China via PayPal.

Garanto-vos que não é chinesice. É e-comércio global.

[Global e-commerce, including travel and auto purchases as well as online retail sales, will increase 13.5% annually for the next four years and reach an estimated $1.4 trillion in 2015. Fonte: Cisco Systems Inc.’s Economics & Research Practice]

[Throughout 2011, in most markets, online spending has proved quite resilient, with significant growth in e-commerce revenues. Online retailers not only survived the recession but thrived in the midst of it. Fonte: Innopay, Online Payments 2012]

quinta-feira, julho 26

O sonho da razão produz monstros...

... de que a gente às vezes já não sabe regressar.

(Francisco de Goya, Capricho 43, 1797-1798)

quarta-feira, julho 25

Manuel de Vasconcelos

O meu amigo Manuel Poppe, escritor e generoso anteriano, acaba de publicar  "Na Sua Mão Direita", um caderno em que evoca a memória de Manuel de Vasconcelos, graciosense  que, tendo nascido a 28 de Janeiro de 1901 na freguesia de São Mateus da Vila da Praia, acabou por fazer vida na Guarda, primeiro como médico radiologista e depois como generalista. Antes de chegar à Guarda, onde viveu sempre no Senatório, entregue de forma ao ofício da medicina e transcendendo muitas vezes a sua especialidade, frequentou o Liceu de Ponta Delgada e licenciou-se em Coimbra.
Poppe faz a pergunta que todos fazemos: "Qual o motivo que levou um açoriano, filho e tetraneto de marinheiros, a escolher a Guarda, cidade de montanha, de neve e de frio, agreste e fechada, para ali viver os anos mais fecundos da sua vida e oferecer o melhor de si, e querer ali descansar eternamente?". A resposta vem mais à frente: um amor. Um amor triste, próprio de um homem de grandes emoções.  No regresso de uma das suas idas aos Açores sentiu que se havia perdido aquilo que considerava fundamental na relação amorosa: a confiança (sobre esse assunto viria, muitos anos mais tarde, a falar de modo indirecto com o próprio autor do caderno, quando este lhe revelara as agitações de uma paixão).  Ainda assim não deixou a cidade, acabando por se revelar "médico de qualidade superior, que os colegas ouviam e admiravam e a quem os pacientes agradeciam a dedicação, a competência e as mãos rotas", dando medicamentos a quem deles precisava. Aí permaneceu, dedicado à sua profissão quase monacal e magoado por uma dúvida e por uma desilusão. Além da vocação profissional, Manuel de Vasconcelos, descendente de homens do mar,  ancorou o coração ao sentimento amoroso e, de um modo tragicamente romântico, decidiu que nunca iria partir. Segundo se sabe, apesar de viver numa cidade pequena nunca mais encontrou a sua amada. 
Manuel Poppe, ao contar a história de uma figura, ajudou a completar a enciclopédia dos homens.
Precioso caderno este, editado pela Câmara Municipal da Guarda. 


sexta-feira, julho 20

Salvé, equipa


Já é tarde na noite de um sábado de verão, mas um portal na imensa Internet precisa de receber um conteúdo multimédia novo para rufar os tambores da região no seguimento da vitória de dois ex-líbris, agraciados com o título de Maravilhas de Portugal. Esse conteúdo em Flash, cuidadosamente construído por uma pequenina equipa, nos dias anteriores ao evento, antevendo todos os possíveis cenários de vitória açoriana no contexto, faz a sua aparição online escassos minutos após o anúncio da segunda paisagem vencedora. Três pessoas nesse momento – uma em Ponta Delgada, outra no Pico e outra ainda em Lisboa - assistem à primeira visualização pública desse flash movie e sorriem. Estão contentes.

Aquela sensação de trabalho de equipa, onde a consideração pelos membros e pela missão apequenam por completo quaisquer considerações de horários, remunerações e afins, é impagável. Mesmo impagável – é que não se compra. Constrói-se, conquista-se, reforça-se.  

Este é um exemplo - tão singelo - mas existem muitos mais, tantos, tantos, que eu pessoalmente vivi e testemunhei. Todos esses momentos maravilham-me, encantam-me e fazem-me sempre sentir um misto de satisfação e orgulho. Satisfação pela pertença à equipa e orgulho por me saber motor da mesma.

O valor de uma equipa é incalculável. O adjetivo “boa” antes do substantivo torna-se redundante. Uma equipa ou é, ou não é – ou tem o espírito, ou é apenas uma coleção de pessoas mais ou menos fadadas a trabalharem juntas, sem que isso revele sinergia.

Os franceses têm uma bela expressão para esse espírito: esprit de corps. Parece-me adequado, traduz a corporização da essência: a unidade e entusiasmo por interesses e responsabilidades comuns. Eu acrescentaria que uma equipa é-o, quando a unidade e o entusiasmo transcendem a tarefa ou missão e impregnam a própria dinâmica entre os elementos. Aí sim, temos equipa para operar pequenos milagres quotidianos.

Porque é que me lembro disto agora?
Não ocorreu nos últimos dias algo absolutamente extraordinário. No entanto, em meio a estes tempos difíceis e incertos que vivemos, parei e lembrei: um povo que não sabe trabalhar em equipa só pode habitar um país débil. E nós, os portugueses… que dificuldades temos em operar em equipa – desde colegas num qualquer escritório aos mais complexos elencos ministeriais ou conselhos de administração.

Estou convencida de que a competência para constituir e integrar equipas, embora possa resultar em parte de vocação pessoal, tem imenso de aprendizagem. Aprende-se a trabalhar em equipa, assim como se aprende a constitui-las, a agregar pessoas e a motivá-las a darem o seu melhor, liderando pelo exemplo. Estou também certa de que, em países menos aflitos do que o nosso, esse aprendizado faz parte integrante dos currículos familiares e académicos desde tenra idade. Duvido no entanto que nós, os portugueses, sejamos muito competentes quando se trata de instilar nas nossas crianças essa capacidade que é matriz do trabalho em equipa e que dá pelo nome de empatia. De contrário, creio, não seríamos um país onde pululam tantos deprimidos e tantos insatisfeitos profissionais.

Devíamos prestar mais atenção a isto. Mas o essencial hoje, para mim, esperando no íntimo que também o seja para vós (desejo francamente que integrem equipas), é agradecer.

Obrigada a todos quantos são minha equipa, a todos quantos me têm como equipa e a todas as equipas que, remando contra ventos e marés, permanecem equipa em Portugal.

quinta-feira, julho 19

Cultura vs Erudição.


«Como é fácil confundir cultura com erudição. Na realidade, a cultura não depende da acumulação de conhecimentos, muito menos em várias matérias, mas sim da ordem em que esses conhecimentos são armazenados na nossa memória e da sua presença no nosso comportamento. Os conhecimentos de um homem culto podem não ser vastos, mas são harmónicos, coerentes e, sobretudo, estão relacionados entre si. No erudito, os conhecimentos parecem armazenar-se em divisórias estanques. No culto, distribuem-se de acordo com uma ordem interna que permite o seu intercâmbio e frutificação. As suas leituras, as suas experiências, encontram-se em fermentação e engendram continuamente nova riqueza: é como um homem que abre uma conta a juros. O erudito, à semelhança do avaro, guarda o seu património numa peúga, onde só cabem o mofo e a repetição. No primeiro caso, o conhecimento engendra conhecimento. No segundo, o conhecimento acumula-se sobre o conhecimento. Um homem que conhece de cor e salteado todo o teatro de Beaumarchais é um erudito, mas culto é aquele que tendo lido apenas As Bodas de Fígaro se apercebe da relação que existe entre esta obra e a Revolução Francesa ou entre o seu autor e os intelectuais da nossa época. Por isso mesmo, o elemento de uma tribo primitiva que apreende o mundo em dez noções básicas é mais culto do que o especialista em arte sacra bizantina que não sabe estrelar um ovo.»

Júlio Ramón Ribeyro, Prosas Apátridas, Ahab, 2011.

quarta-feira, julho 18

Um lugar para desaparecer

Fotografia Nelson Garrido
Um "graffiti mental interplanetário". Justo Navarro, crítico no El País, usou as palavras suficientes para definir a obra de Enrique Vila-Matas quando saiu em Espanha a primeira edição de Exploradores do Abismo, faz agora cinco anos. O livro é um dos grandes exemplos da deambulação do escritor, que escolheu os Açores como metáfora do isolamento e da nostalgia.

Descobriu o mistério da ilhas com o seu amigo Antonio Tabucchi. A 26 de Março deste ano, um dia depois da morte do escritor italiano, Vila-Matas recordou-o no seu blogue El Ayudante de Vilnius, nome retirado do protagonista de Ar de Dylan. Quando Tabucchi desembarcou no Corvo, "a ilha mais remota dos Açores", um homem que tinha um moinho de vento para moer cereais perguntou-lhe: "Senhor, o que vem fazer a esta ilha?" Ao Corvo vai-se por ir, escreve Vila-Matas, que se considera capaz de adivinhar o que pensou Tabucchi naquele momento: "Que teria gostado de ser um dos portugueses que chegaram aos Açores no Século XV e encontraram um paraíso".

Elegeu os Açores para centro de um dos contos de Exploradores do Abismo, sem nunca ter esgotado o tema. Afinal, considera-se vítima do feitiço daquelas ilhas. "Ilhas do meio do Oceano Atlântico, longe de tudo. Da Europa e da América. Talvez o feitiço dos Açores consistisse nessa distância. Em todo o caso era o lugar ideal para deixar para trás o barulho mundano."

Rita Malú, a melancólica protagonista do conto Porque ela Não lho Pediu, artista de romances de parede, "narrações reais mas de recorte novelesco, contadas através de fotografias penduradas nas paredes das salas de arte e com a fotógrafa como centro dessas histórias." Rita Malú é uma imitadora secreta de Sophie Calle e persegue-a em tudo, até quase deixar de ter identidade e iniciar uma carreira como detective privada; encontrar pessoas era o que queria experimentar da vida. O primeiro cliente foi uma mulher que procurava o ex-marido, escritor famoso que encenara o seu próprio desaparecimento para deixar de lhe pagar a elevada pensão a que era obrigado. Que melhor lugar para desaparecer se não os Açores? Lembrou-se de Aleister Crowley, que em 1930 fora a Lisboa para cumprimentar Pessoa e simulara o seu desaparecimento na Boca do Inferno, "o lugar tradicional dos suicidas de Lisboa", "terrível no Inverno", e fez-se à viagem.

No dia seguinte, um voo para o Faial, a ilha em frente ao Pico. "Viu-o da varanda do seu quarto do Hotel de Santa Cruz", esse "cone vulcânico que sobressaía de repente do oceano" e que não era mais do que "uma elevada e abrupta montanha poisada sobre o mar." Era lá que se propunha encontrar o escritor, não sem antes passar pelo Café Sport, "também conhecido como Peter"s Bar, um lugar extraordinário: algo intermédio entre uma taberna e um ponto de encontro, uma agência de informações e uma estação dos correios." Café de baleeiros, os mais corajosos do mundo, segundo Herman Melville em Moby Dick. Chegou ao porto da Madalena, uma das três maiores povoações do Pico, e sentiu a solidão no taxista que a conduziu para as Lajes. "A estrada que, no sopé do vulcão, ligava Madalena às Lajes revelou-se ser um estreito caminho que corria ao longo de um molhe ou quebra-mar, com muitas curvas e lombas pronunciadas, sobre um Oceano Atlântico azulíssimo e rebelde. A estrada, que outrora estivera repleta de vinhedos e das sumptuosas casas dos patrões (agora, todas em ruínas), atravessava uma paisagem pedregosa e melancólica com raras casas, minúsculas e solitárias, em pequenas colinas varridas pelo vento."

O que sobra é mistério. É a ele que Vila-Matas se cola para não se descolar do ambiente. Sai das ilhas agarrado a ele. Transporta-o para Paris, Veneza, até regressar a Barcelona e colocar essa paisagem para sempre no papel.

* Isabel Lucas in Ípsilon/Público de 13/06/12

domingo, julho 15

> 9/9







Bem-vindo ao site do C.P.F.
O Centro Português de Fotografia (C.P.F.) existe desde 1997, enquanto serviço público criado pelo então Ministério da Cultura, para assegurar uma política nacional para a fotografia. Atualmente, é tutelado pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas e tem como missão salvaguardar, valorizar e promover o património fotográfico


Foto ©Luís Ramos: Integra a exposição Açores: 9 Ilhas, 9 Fotógrafos patente ao público no Centro Português de Fotografia (Edifício da ex Cadeia da Relação) no Porto até 23 de Setembro.


> SESSÃO ÚNICA
Amanhã, 21h30 no 9500 CINECLUBE [Cine Solmar - sala2]

quinta-feira, julho 12

Lucidez

Bem sei que já circulou amplamente nas redes sociais, mas vale sempre a pena rever.
«Que Portugal queremos daqui a 25 anos?», por Luís Miguel Cintra.



terça-feira, julho 10

Mário Machado Fraião

Soube da sua morte pela internet e isso não deixou de ser estranho. Quando falava com ele, falava por telefone, fixo, aquele velho telefone fixo negro que a minha avó tinha na casa em Lisboa. A nossa amizade começou por ser uma amizade entre insulares. Já não me lembro como é que cheguei a ele. Conhecia-o de antologias poéticas, de uma em especial, aquela que foi coordenada por esse homem doce e generoso que é o Eduardo Bettencourt Pinto.

Admirava a sua poesia, a simplicidade marinha da sua poesia e das suas crónicas, aquelas em que evocava a Horta onde crescera e se deslumbrara com os barcos que levavam nomes de mulheres. Combinámos encontro uma vez algures na linha do Estoril, perto de sua casa, e demos um passeio junto ao mar. Lembro-me agora que a primeira vez que nos encontrámos foi para um copo no "Tertúlia", no Bairro Alto, sítio onde me contou ter passado muitas noites, algumas das quais na companhia de José Agostinho Baptista, um ilhéu (madeirense) com horror aos aviões.

Soube que morreu, dizia há pouco, numa notícia virtual, neste tempo em que já não há telefones fixos, em que as mortes são linhas que correm em rodapé entre notícias sobre a forma como acordam e como adormecem os mercados. Estive há pouco tempo na Horta e aí fui à procura de um livro seu, “Antes que o Sol Acabasse”, editado postumamente pela família (já não sei onde soube da notícia da saída – talvez também pelo santo google). Está aqui ao lado esse livro com impressão gráfica do Telégrapho e uma fotografia na capa de um barco nomeado como "mãe e filhos". É um livro discreto, fora desta era. Numa versão literária, constitui uma espécie de telefone fixo que nos permite, sem facilidades, pôr a conversa em dia. Foi assim que o li, naquela tarde, no Café Internacional. Discando um a um os poemas, "O Vento Agitava as Palmeiras", "Este Frio Arrefece", "Sapatos de Bailarina", para chegar à fala com o Mário.

segunda-feira, julho 9

A CONSTITUIÇÃO SEGUE DENTRO DE MOMENTOS

1.       O QUE FICOU POR DECIDIR
O Acórdão do Tribunal Constitucional sobre o corte nos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e pensionistas faz-me lembrar aquela conhecida rábula do Gato Fedorento: “O corte dos subsídios é inconstitucional? É. E o que é que acontece? Nada.”
O acórdão do TC é uma pérola da incoerência e inconsequência. Chega mesmo a ser risível para quem acompanha estas coisas. Pena é que, logo a seguir, olhamos para a realidade e só dá vontade de chorar…
Em primeiro lugar, porque se concentra única e exclusivamente na violação do princípio da igualdade e apenas e só no que se refere ao tratamento discriminatório dos rendimentos trabalhadores da Administração Pública em relação aos rendimentos dos trabalhadores do sector privado. Nem uma palavra para a grave violação do princípio da igualdade consubstanciada no facto de apenas os titulares de rendimentos do trabalho terem de sujeitar a esta redução, enquanto os titulares de outros tipo de rendimentos, como por exemplo os do capital, os não suportarem. Nem uma palavra para a diferença de tratamento das remunerações contratuais dos funcionários públicos e pensionistas em face de outras remunerações contratuais com o Estado, como é por exemplo o caso das PPPs. Nem uma palavra para princípios da protecção da confiança e da certeza e segurança jurídica dos cidadãos, que impede que quem contraiu seriamente (ao contrário do Estado…) os seus compromissos financeiros, possa ver toda e qualquer expectativa legítima defraudada pelo Estado que as devia proteger. Nem uma palavra para o princípio da irredutibilidade salarial…  Nem uma palavra para o princípio da proporcionalidade com que devem ser distribuídos os sacrifícios num Estado Social em crise… Nada. Sobre tudo isto nem uma palavra.
2.       A LIMITAÇÃO DOS EFEITOS DA INCONSTITUCIONALIDADE
Em segundo lugar, porque ao fazer uso artificioso do mecanismo da limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade vem despudoradamente estabelecer que tal declaração afinal não produz efeitos durante o ano de 2012. Mais: não só o faz em relação ao subsídio de férias (já entretanto propositadamente extorquido) mas também quanto ao subsídio de Natal, cujo prazo de pagamento, porém, só ocorre daqui a cerca de 5 meses. Ou seja, e em suma, neste Acórdão o TC declara que foi inconstitucional o corte no subsídio de férias e que também será inconstitucional o corte do subsídio de Natal, mas logo decreta que o produto do “gamanço” não é para ser restituído às respectivas vítimas! É de pasmar!!!
Já era mau ver o TC deixar que os efeitos da norma inconstitucional já produzidos sobre corte no subsídio de férias pudessem ser salvaguardados. E digo mau porque só se pode restringir efeitos da declaração de inconstitucionalidade quando “a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo” assim o dite… E se analisarmos cada uma destas possibilidades chegamos a conclusões que têm muito pouco a ver com o espírito da Constituição.
Se o TC o faz com base na primeira possibilidade foi porque entendeu que a segurança jurídica que deve ser protegida não está em quem contraiu seriamente os seus compromissos financeiros com base em expectativas legítimas, mas no facto de a norma que ele próprio declara inconstitucional já ter sido aplicada durante um determinado lapso de tempo e isto ter efeitos nefastos sobre as contas públicas. Mas que culpa têm afinal os trabalhadores da Administração Pública que a maioria parlamentar tenha feito aprovar uma lei que sabia de duvidosa constitucionalidade?! Que culpa têm afinal os funcionários públicos que o PR não tenha requerido a fiscalização prévia da constitucionalidade da norma como lhe era exigido?! Que culpa têm os funcionários públicos que a lastimável saga da eleição dos três novos membros se tenha arrastado o tempo suficiente para que o Acórdão sobre esta questão só fosse proferido depois do subsídio de férias já lhes ter sido extorquido?! Que culpa têm os cidadãos atingidos que os juízes, que se encontravam na plenitude das suas funções quando a questão foi suscitada, se tenham recusado a decidir a questão atempadamente?!
Se o TC o faz com base na equidade então estamos perante a esquizofrenia total. Então não foi justamente com base na violação da igualdade que o TC declarou a inconstitucionalidade da norma?! Como pode então usar o argumento da equidade para salvaguardar efeitos durante um ano de uma norma que ele próprio declarou desigual e, por isto, inconstitucional?!
Resta-nos apenas a possibilidade do “interesse público de excepcional relevo” consubstanciado no facto de a devolução dos subsídios de férias terem um impacto incomportável no actual estado das contas públicas. Mas mais uma vez cabe perguntar: Não é isto em si a desigualdade que o próprio TC reconhece existir?! Porque é que apenas uns têm de suportar os sacrifícios que devem ser distribuídos por todos?! Que culpa têm os funcionários públicos que a maioria tenha feito aquela norma, o PR não tenha suscitado a sua fiscalização prévia e o TC tenha demorado analisar a questão em sede de fiscalização sucessiva?! Porque é que têm de ser apenas alguns cidadãos a pagar os desmandos de todo este processo?! Porque havemos de sobrelevar o interesse público do cumprimento das obrigações relativamente a credores internacionais em detrimento do cumprimento das obrigações relativamente aos funcionários públicos que são credores do Estado por efeito da inconstitucionalidade da norma dos cortes e repristinação da norma que lhes garante o pagamento dos subsídios de férias?! Como pode o TC – guardião último da constitucionalidade – afirmar despudoradamente que a única justificação para o fazer é o Memorando da Troika, quando isto representa colocar a Constituição na gaveta durante aquele tempo e substituí-la pelo memorando?! Como pode o TC afirmar isto se o próprio Memorando teve o cuidado de dizer explicitamente que as medidas a adoptar têm de salvaguardar o respeito pela Constituição?!
Mas o que é mesmo, mesmo mau e incompreensível é que o TC faça protelar os efeitos da norma declarada inconstitucional sobre factos que só ocorrerão no futuro, ou seja, que o TC permita que a norma que ele próprio já considerou inconstitucional possa produzir efeitos no subsídio de Natal, cujo prazo de pagamento só ocorre daqui a cerca de 5 meses. Com isto o que o TC está a dizer é: A norma é inconstitucional, mas em 2012 produz todos os efeitos que uma norma conforme constituição produziria (?!). Não há precedentes na história da jurisprudência do TC de tal aberração jurídica. Tanto mais quando o Tribunal o faz recorrendo a um único argumento de ordem política e não jurídica: a redução do défice. A feitura deste tipo de considerações, que manifestamente não lhe incumbem, representa uma violação básica do princípio da separação de poderes. Ao TC incumbe apenas apreciar e declarar a inconstitucionalidade de normas que não cria; não cabe fazer considerações sobre o resultado político de opções feitas por outros órgãos constitucionais aos quais devia caber a preocupação de, quando assumem uma determinada opção, fazê-lo no respeito da Constituição.  Por outro lado, está por demonstrar que o facto de se encontrar a execução orçamental de 2012 já em curso, - e tanto mais que está apenas no início o 2.º semestre do ano - inviabilizasse a adoção atempada de outras medidas alternativas, universais e equitativas, que contribuíssem para o objetivo da garantia da solvabilidade das contas públicas (tendo sempre por seguro – insista-se – que ao TC não cabe qualquer opção nesta matéria)
É a inversão total de qualquer lógica da legalidade, a descredibilização total do Tribunal Constitucional, é a machada final no Estado de Direito. Passamos a ter um TC que serve para legitimar tudo o que lhe aparecer. Acabou o império da lei, legitima-se o império da força e da revolta... Depois não se queixem…
3.       A LIÇÃO AO GOVERNO
Finalmente, este mesmo Acórdão, da forma como enquadra e proclama o princípio da igualdade, no fundo está é a ensinar o Governo, e a legitimar a priori as respectivas medidas, sobre como deve igualizar “por baixo”. Está a dizer a Passos Coelho que se para o próximo ano ele retirar os dois subsídios a todos os trabalhadores por conta de outrem, sejam eles públicos ou privados, poderá desde já contar com a chancela do TC. Foi só para isto que o Acórdão serviu. Se nenhuma das consequências da declaração da inconstitucionalidade da norma acontece de facto (o subsídio de férias não é restituído e o subsídio de natal será cortado na mesma) é legítimo pensar que o TC apenas proferiu uma decisão para ensinar o Governo como é que deveria fazer no futuro e não ter chatices com ele. São os Juízes do TC travestidos de consultores jurídicos do Governo. Onde isto chegou…Louvado seja Deus!
Claro que Passos Coelho não perdeu tempo nem oportunidade política: “Eu nem queria cortar os subsídios a todos… mas aqueles senhores do TC dizem que tem de ser assim… Lá vou ter de fazer um imposto extraordinário… e tal e coisa e coisa e tal”
O que não percebe é que estas medidas só aplicadas aos funcionários públicos já demonstraram ser desastrosas para o mercado interno e para os objectivos da própria troika relativamente ao défice. Alarga-la aos trabalhadores do sector privado é agravar ainda mais o problema.  Valha-nos o Memorando da Troika que, já que vale mais que a Constituição, estabelece limites para a consolidação das contas pelo lado da receita. Onde haveríamos de chegar… Os senhores da Troika a advogarem melhor os nossos direitos que os Juízes do TC. Alevá com jête!   
Post Scriptum: Eu juro que queria escrever sobre outra coisa… Mas os telejornais não deixam.

sexta-feira, julho 6

Desfaçatez


Foi por um triz que eu há umas poucas semanas atrás não escrevi sobre o insólito do TC não se pronunciar sobre a constitucionalidade das normas da LOE 2012 referentes à ablação dos subsídios de férias e de natal dos funcionários públicos, dando como argumento a pérola de que não faria sentido o coletivo pronunciar-se quando se preparava para receber novo elenco de juízes. Brilhante. Não trabalhamos porque a seguir vêm outros. O título não me oferecia dúvida alguma: “Desfaçatez”. Ora, esse artigo não chegou ao ecrã porque entretanto a mente entrou em modo de “Memória da Vivenda Iolanda”.

Não se perde no entanto o título, hoje mais válido do que nunca: Desfaçatez adjetiva que nem uma luva a decisão do Tribunal Constitucional ontem conhecida.

Aquele coletivo conseguiu uma proeza acrobática: constata o óbvio – sim, as normas são inconstitucionais; exime-se de analisar a inconstitucionalidade das normas à luz de outros princípios como a proporcionalidade e a segurança jurídica, pelo facto de dar como provada a inconstitucionalidade por via de lesão ao principio da igualdade (um basta, vamos incomodar-nos com os outros porquê?) e termina em looping de fazer inveja a qualquer “asa” de um F-22, determinando que os efeitos desta declaração de inconstitucionalidade não se apliquem à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012.

Desfaçatez. E mais não digo porque a seguir vem texto de quem vai explicar isto olhando a partir do ponto de vista privilegiado de quem labora dentro do próprio sistema de justiça.  

quinta-feira, julho 5

Peço-vos apenas uma mentirinha piedosa


Vá, digam-me lá, por favor, que eu não vi bem, que foi confusão minha, e que o Sérgio Sousa Pinto não defendeu o apoio público, onde se incluem os meus impostos, às touradas em Portugal – com uma esmagadora maioria da bancada do PS a vibrar num aplauso frenético. E que também foi erro meu, daqueles enganos perceptivos decorrentes do cansaço, e que o Paulo Sá do PCP não fez novamente, à semelhança de Janeiro passado, uma intervenção do tipo “nim”, reiterando a ideia de que considera desacertado limitar ou proibir as touradas por via legal.
Vá, deixem-se de brincadeiras de mau gosto e tenham a bondade de me dizer que tudo isto não passa de um equívoco, a ver se me sai de cima esta impressão de nojo.

domingo, julho 1

Bom Tempo no Canal



Este banco vai ter assento no próximo livro de Almeida Maia. Sei-o porque passei as últimas horas a navegar prazerosamente nas palavras escritas de Bom Tempo no Canal.

Posto assim, dir-se-ia que aludimos a um escritor de letras bem creditadas na cena literária. A seu tempo será. Para já, trata-se do Pedro Maia, do Pedro Filipe, do Filipe, do Pedro Almeida. Que escolheu assinar com esta combinação deliciosa de nomes – Almeida, Maia – a primeira das sua obras, um trabalho que, nas palavras do autor, venera a obra maior de Vitorino Nemésio.

O meu enamoramento por este Bom Tempo no Canal – A Conspiração da Energia começou na sexta-feira passada, na Biblioteca Regional e Arquivo de Ponta Delgada, local escolhido pelo autor para ser cenário de uma das tramas do enredo e também para o lançamento desta sua primeira obra.

Que lufada de ar fresco!

Eis que me vi testemunha de um lançamento muito bem arquitetado, interessante, apelativo, profissional. Saí de livro na mão e com a muito presente noção de estar perante uma potencial sensação. Se me cruzar com alguém na algarvia Praia da Falésia neste Agosto, corpo estendido ao sol e Bom Tempo no Canal a encimar os joelhos fletidos de leitor veraneante, não me surpreenderia nada.

Porque o que o Pedro Almeida Maia conseguiu, parece-me ser o primeiro livro das letras modernas escrito por um ilhéu açoriano, mas capaz de conquistar estes 9 mundos e seguir caminho, conquistando continentais, diáspora… e o mais que a tradução alcance.

Não me parece que Bom Tempo no Canal estaque perante o mar que nos envolve. Vejo-o perfeitamente a ser apresentado na Fnac do Colombo e a lançar uma açórica mania entre os nossos compatriotas continentais. Não faço ideia sobre se uma escala técnica na Fnac está ou não nos planos do autor, mas calculo, pela ousadia de escrever um thriller açoriano que pisca olhos a Nemésio e a Dan Brown, que há de estar isso mesmo ou algo equivalente.

Quanto ao conteúdo – zero informação. Quero mesmo que saiam, que o vão comprar e que descubram o que têm em comum  a lagoa verde das Sete Cidades e o banco celebrizado por Antero de Quental.

[Almeida Maia, Bom Tempo no Canal – A Conspiração da Energia, 1º Edição, Junho, 2012, Letras Lavadas edições]

[Foto Jorge Rebêlo, 2009]



> 7º DIA - CONSENSO E DESCANSO

Deus vê que seu trabalho é bom. Finalizada a Criação, ele abençoa e santifica o 7º dia, e então descansa.