quinta-feira, dezembro 26

terça-feira, dezembro 17

Luísa Sobral & António Zambujo

Nesta quadra, para todos aqueles que me têm no seu coração, mesmo os que mantêm um certo odiozinho de estimação.

segunda-feira, dezembro 2

"Conversas na Lagoa" - Arte e Arquitectura

A Lagoa continua a "dar que falar".

Já foi fabril e já "valeu a pena".
No entanto, com a sua "Costa Dourada" por explorar, dá-se, agora, a ares de cidade. E eu ainda acredito que Lagoa tem pinta para o vir a ser de facto.

Apesar de tal fato ser, por enquanto, de utilidade duvidosa, inegável é a importância relativa que o "Instituto Cultural Padre João José Tavares" vem assumindo no panorama actual.
Aqui fica mais uma iniciativa que merece atenção:



sábado, novembro 30

Sem papas de gaguejos

Aparentemente (porque as coisas nem sempre são como nós as pintamos), depois de comer, não faltam colheres. É o que diz o ditado popular sem, contudo, considerar o estranho facto das pessoas que passam a governantes se votarem, depois do respectivo processo eleitoral, a um fatal ensimesmamento intelectual. Fatal para eles no longo prazo mas, no imediato, fulminante para um considerável conjunto de pessoas que, privadas de poderem dar o seu contributo (que devia ser acarinhado e, sobretudo, incentivado pelas instituições públicas), acabam por ficar com o(s) investimento(s) às costas, arrastando um conjunto de outras pessoas para águas ainda mais agitadas, onde o naufrágio é cada vez mais temido.

(…) Ouvi que a ATA iria encomendar ou já terá encomendado outro estudo, quando existem dezenas de estudos feitos nos últimos 20 anos sobre o Turismo nos Açores. O diagnóstico está feito. E se as instituições públicas se sentassem com os privados à volta de uma mesa, numa verdadeira sessão de trabalho, o diagnóstico ficaria feito em meia dúzia de horas. Depois é preciso ir para o terreno fazer as ações necessárias para captar negócio. E isso tem falhado. Há alterações constantes ao longo dos diferentes governos e nas diferentes instituições, o que leva a que o trabalho não seja consistente. O que acontece na ATA é que não existe ali uma estrutura profissional, conhecedora do setor e que seja capaz de pegar no diagnóstico que, na minha opinião está feito e não é preciso fazer novamente, e implementar uma estratégia que resulte e que seja consistente. E por isso andamos aos “esses”. (…)

Apesar de perspectivar algumas coisas de um ângulo diferente, recupero a desassombrada entrevista do Rodrigo Rodrigues do passado dia 25, no Açoriano Oriental para relembrar que, apesar de muita coisa poder ter sido melhor feita, não nos podemos esquecer que o investimento dos operadores está intrinsecamente relacionado com a dimensão que a operação poderá vir a atingir e que, todos juntos, devemos trabalhar para que os Açores possam ganhar a massa crítica que muita falta lhes faz para que um determinado “desmame”, por cá e nos vários mercados emissores, possa ser uma realidade.


Quero ler na referida entrevista que não devemos sucumbir à tentação de pensar pequenino nas alturas de maior aperto, pois, é absolutamente crítico manter as coisas em perspectiva e trabalhar a não-conformidade, por forma a procurarmos combater as tendências redutoras em termos de natureza e escala dos investimentos ainda por fazer, para conseguirmos subir mais um degrau dos muitos que ainda nos faltam galgar no negócio do Turismo.

quinta-feira, novembro 28

Uma certa odisseia marítima açoriana

Há, compreensivelmente, no ar, um certo "look" de deslumbre. Parece que estamos todos a bordo de um sonho. É o sonho açoriano: poder navegar entre as várias ilhas e juntá-las todas num verdadeiro mercado interno.

O “Mestre Simão” é que há-de estar confuso,  a tentar perceber se, neste novo capítulo do mercado interno, navega pela Direita ou pela Esquerda.






foto daqui

Alexandra Lucas Coelho vence Grande Prémio de Romance e Novela da Associação Portuguesa de Escritores



Diz a narradora que «as histórias felizes são relâmpagos».
Eu também acho.

Prémio justo. 
Alexandra Lucas Coelho é uma repórter de primeira linha, cronista ímpar, romancista de alma cheia. E uma apaixonada pelos Açores.

http://www.publico.pt/cultura/noticia/alexandra-lucas-coelho-vence-grande-premio-de-romance-e-novela-ape-1613888

quarta-feira, novembro 20

A mítica quinta-feira (uncensored)

Há dias assim.
Há coisas que acontecem e nos fazem pensar que são boas demais para ser verdade.
Recebi estas "notas" e confesso que não me foi possível lê-las até ao fim sem me emocionar (como, aliás, aconteceu com a grande maioria das impressões recebidas sobre a apresentação da nova carta Outono|Inverno no TN).
Tinha que as partilhar e pedi a devida anuência.

"Notas de um sonho…
O dia acordou em tons de outono, com nuvens altas no céu e o magnífico cheiro das manhãs que agora começam frias. Como pano de fundo as árvores do inigualável Parque. A caminho do aeroporto vejo uma lagoa por entre um vale verdejante, pouco depois deixo-me levar pela beleza das montanhas e do mar, ainda a dormir…
Estou a caminho do avião e sinto que ainda não acordei do meu sonho. Penso que dormi cerca de doze horas.
Não demorei muito a adormecer. O ambiente estava quente. As cores, o conforto e deixo-me levar pelas palavras… adormeci a beber um Gin Garden!
E comecei a sonhar…
Dom Perignon Vintage 1996!
A temperatura da sala a subir como a fineza das bolhas do néctar. Quase acordo com os primeiros aromas e com a complexidade, textura e profundidade de sabores.
O quê? Isto é um sonho! Fecho os olhos e deixo-me levar novamente pelos aromas e sabores que sobressaem da idade e do saber de gerações geniais da Região de Champagne.
Et voilá! A primeira surpresa da noite. É um carpaccio? Mas não consta do menu. São boletos do Parque, com azeite virgem extra e flor de sal. Perfeito! Simples, pleno de sabor e frescura, com total respeito pela natureza que ali ao lado cuidou desta preciosidade de outono.
Deseja mais um pouco de D. Perignon?
Pois claro! Estou a sonhar…
A harmonização com os boletos é perfeita, as notas de terra encaixam na perfeição.
Um brinde ao anfitrião e à sua renovada casa.

E volta um cheiro familiar. Estou na velha padaria próxima da casa de férias do meu avô. Não te faz lembrar nada Carlos?
Os sabores a terra e o azeite encaixam na perfeição com as notas vegetais e de gordura do champanhe.

A conversa vai animada, e o Parque é naturalmente o foco das atenções.
Começa então o desfile de sabores que o Chef escreveu e que têm correspondência em frases soltas escritas noutro papel e que para todos nós têm um significado ainda enigmático.

Carpaccio de Beterraba, Puré de Grão e Vinagrete de Avelãs.
Quase perfeito. A frescura dos ingredientes é ligeiramente tocada por um pouco de vinagre que poderia ser substituído por mais quantidade do citrino local.
Para harmonizar continuamos com D. Perignon. As notas cruas ligam com a beterraba... E com todos os restantes elementos do prato. Afinal com que é que champanhe não liga?

Segue-se um ceviche com rúcula. Uma travagem a fundo. Quase acordava do meu sonho. Apresentação a destoar (ou talvez não diz o Henrique...). E para além disso, o excesso de rúcula a seguir a um prato com... rúcula.
E continuamos no néctar francês. Afinal champanhe liga com tudo! Mas nem tudo liga com champanhe... Ou pelo menos com este vintage... Demasiada complexidade e textura para um prato tão simples e fresco.
Aqui um branco, fresco e mineral, funcionava na perfeição. Difícil voltar atrás depois de começar num registo tão alto!

Vamos passar agora para o vinho branco. Continuamos em França?
Não. Montevalle Branco 2009. É um vinho do Douro à base de Viosinho e com um pouco de Rabigato. Não chegava lá... Não muito aromático mas com boa textura e untuosidade. 

Partimos agora para um clássico da casa: A omelete. Veio guarnecida com boletos. Novamente? O prato estava fabuloso. Mas a ligação com o vinho nem por isso. Não é problema nem do vinho nem do prato. Simplesmente não se dão... Felizmente ainda tenho um pouco se champanhe no flute. Agora sim! Harmonização perfeita!! A gordura do ovo e o agora familiar sabor dos boletos do Parque são envolvidos pelas bolhas finas e pelo final longo do D. Perignon. Concordas Luís?

O prato seguinte é um regresso às tradições. Caldo azedo com Toucinho Crocante. Uma belíssima surpresa. Prato muito bem reinterpretado, pleno de sabores de outono. Agora sim percebo a escolha do vinho branco. A untuosidade do vinho consegue aguentar-se muito bem com a subtileza do feijão e faz a ponte com o vinagre que refresca o caldo.

E continuo a sonhar... Diga?!
Manuel Campolargo faz grandes vinhos. Extraordinário vinho branco de 2008. Com notas de uma evolução certa, complexo, frutado com um final longo a exigir um peixe forte e com alguma gordura.
E o lírio transformou-se em veja... Que pena! Vamos ver como se comporta o prato com o vinho. Batata e abóbora muito boas, e pimentos um pouco em exagero. Dispostos lindamente num prato fundo, regados já à mesa por um caldo menos bem conseguido. Aguado, pouco sabor a peixe e com falta de sal. Apesar de a veja estar muito bem confecionada, o prato era de intensidade menor do que o vinho e perdeu-se um pouco.

Mas o jantar já é memorável, pelo que os pontos menos positivos não ficam na memória por muito tempo.
E nem podiam!

Entramos já na carne. E que tal um tinto com mais de 40 anos?
Quase que acordava do sonho, tal era o exagero do exercício mental a que estava a ser submetido.
E que linda garrafa magnum... Romeira era o desafio da noite para o prato de carne.
Velhos são os trapos! Uf... finalmente a respirar oxigénio após tanto tempo dentro de uma garrafa. As notas de idade estão lá, no aroma e no sabor. Mas é pouco expectável um comportamento tão cheio de força e personalidade.
Para um vinho com esta história o prato tinha mesmo que ficar para a História. Um entrecosto a baixa temperatura extraordinariamente bem confecionado. Estaladiço por fora e tenro por dentro. Pleno de sabor com notas a alecrim
Entrecosto assado com crocante de pezinhos e cogumelos,
tarte de cebolas e puré de batata com alecrim
e acompanhado por um magnífico puré de batata,um croquete de pezinhos e boletos. Em excesso eventualmente a cebola caramelizada. Mas nada que retire ao prato a categoria de melhor da noite, ao nível de um restaurante com estrela Michelin!

A partir deste momento a refeição já é épica, o que quer que de menos bom pudesse acontecer a seguir. Mas tal não era previsível depois do patamar já alcançado.

E os 12 comensais continuam a aventura.
E como sonhar não custa, que tal abrir um Porto Vintage? Pode ser um Ferreira Vintage 1999?
Só não surpreende porque já estava à espera que fosse muito bom. Pleno de fruta madura, boa acidez... De encher a boca!

Agora passamos para os queijos. 3 Santos guardaram bem a tarefa de harmonizar com o Magnifico Vintage. Um prato simples que soube muito bem!

Estamos a chegar ao fim da refeição. Já se anunciam as sobremesas.
Primeiro um Pudim de Queijo Velho S. Miguel com Sorbet de Tomarilho. Este par funciona muito bem. A frescura de um para limpar o palato do excesso do outro elemento do prato. Execução correta num prato que só pecou por não harmonizar com o vinho. Não pelo pudim, mas pelo sorbet que tinha demasiada frescura e acidez para poder equilibrar com a doçura e intensidade do Vintage.

E por fim, a homenagem da noite, ao mestre que ensinou o Chef. Crepe rechedo e flamejado com ananás e gelado. Muito bem conseguido. Pena ser uma sobremesa tão pesada para terminar a noite. A retirar uma, seria a sobremesa anterior. Embora seja natural não harmonizar com um Porto Vintage, a escolha de um vinho licoroso local, que por ser mais seco perde numa boca já com bastante açúcar. Percebe-se se intenção foi cortar precisamente o excesso de açúcar. Resulta o efeito, mas o vinho não sobressai.

E depois desta refeição mítica, vou dormir…
E o dia acordou em tons de outono, com nuvens altas no céu e o magnífico cheiro das manhãs que agora começam frias. Como pano de fundo o vapor da água quente a subir por entre as árvores do inigualável Parque Terra Nostra. Vou a caminho do aeroporto e vejo uma lagoa por entre um vale verdejante, e pouco depois deixo-me levar pela beleza das montanhas e do mar, ainda a dormir… Acabo de sair do Terra Nostra Garden Hotel, no idílico vale das Furnas, na ilha de S. Miguel. Estou orgulhoso e com uma satisfação incontida, por saber que nos Açores já é possível viver uma experiência gastronómica de altíssimo nível, que valoriza os produtos locais e coloca a Região no mapa do que de melhor que se faz no país.

Obrigado ao Carlos Rodrigues ao Chef e a toda a sua equipa! Foi um jantar de sonho…
Filipe Rocha
Novembro de 2013"

Julgo que, naturalmente, o "sonho" do Filipe não se esgota na degustação desta carta Outono|inverno. Aliás, tenho a absoluta certeza que as suas "notas" transbordam esta experiência no idílico vale por, metaforicamente, configurarem a sua visão para o sector.

domingo, novembro 17

Sentado na parada a ver desfilar o generoso Moscatel


Pois é. Já fez nove anos A Vinha. Nove anos de pioneirismo nos Açores, em Ponta Delgada. Uma garrafeira, produto grande para pequeno mercado, a fazer o seu caminho. Zona franca de algumas grandes preciosidades que aos Açores também vão chegando mais paulatinamente.
Provamos o Moscatel de Setúbal ALAMBRE 2008, o Moscatel de Setúbal com Armagnac e o Moscatel Roxo – ambos COLECÇÃO PRIVADA DOMINGOS SOARES FRANCO. Provamos depois as preciosidades: ALAMBRE Moscatel de Setúbal 20 Anos, ALAMBRE Moscatel Roxo 20 Anos, MOSCATEL DE SETÚBAL Trilogia, BASTARDINHO DE AZEITÃO 30 Anos e, para o fim, o cartão reservava-nos uma “SURPRESA” que, à medida que a prova subia de tom, aumentava o entusiasmo.
No final, os convivas, em grande número e já a salivar com o anúncio do jantar que se seguia, preparado pelo Chef Mota e sua equipa, foram absolutamente arrebatados por um Moscatel Roxo com mais de 40 Anos, com a sua auréola esverdeada e com o tão estimado “vinagrinho”, que é como quem diz: só merece a cereja no seu topo o belo bolo.
Por delicadeza apenas e com muita tristeza, fui deixando uma réstea do belo néctar em cada copo. No final, já de pé, tive que me contentar com uma simples foto para memória futura.


Parabéns à Vinha Garrafeira e um agradecimento especial ao Luís Melo pela excelente organização, embora ainda me esteja a fazer confusão esta coisa de celebrar um 9º aniversário com tanto álcool.

quinta-feira, novembro 14

"Vem cá meu torresminho."

Que é como quem diz: do "colados com cuspo" ao "pés arrancados do chão".

"Às vezes estamos tão preocupados em falar da crise e a desdenhar o novo Fiat Punto do vizinho que nos esquecemos dos verdadeiros privilégios que a vida nos dá.
Ser açoriano, ou viver em São Miguel, e fazer uma viagem de carro de apenas 30 minutos para chegar ao Hotel Terra Nostra é uma dádiva quase tão grande como o nascimento do Cristiano Ronaldo. Muito menos estará ao fácil alcance da maioria dos comuns mortais que têm de viajar milhares e milhares de quilómetros para chegarem aonde nós chegamos. Sem stress. Sem trânsito. Sem complicações.
O Hotel Terra Nostra que reabriu em Junho após uma profunda remodelação e requalificação apostou também no melhoramento e modernização das suas cartas de bar e restaurante.
Aquando da minha primeira visita, logo em Junho, foi notória a mudança introduzida na carta. Chegaram novos conceitos, novas ideias que se entrelaçavam com alguns pratos icónicos como o cozido ou os filetes de abrótea. Tenho que ser sincero, como é meu apanágio, estava tão curioso, mas tão curioso que acredito ter ido cedo demais. Alguns pratos ainda estavam “colados com cuspo”. Sei que a observação estará correcta quanto mais não seja pela melhoria notória que senti quando lá fui a segunda vez já no fim do Verão.
Por ter esta tendência suicida para a verdade e para o desbocamento fácil confesso que quando o Carlos Rodrigues, o Director do Hotel, me convidou para participar no jantar de lançamento da Carta Outono/Inverno do Terra Nostra pensei que no fundo, no fundo, ele estaria a precisar de alguém que depois ajudasse a levantar os pratos e a lavar a loiça. E de boca calada e já agora fechada.
Porque mereceria eu tamanha distinção e honra? Mistério que até hoje está por resolver, diga-se, porém, o convite era mesmo para me sentar e comer como fazem todas as pessoas civilizadas.
Contado assim deste modo simplista fica complicado perceber a emoção e a comoção quando nos começaram por servir um flute de Dom Pérignon, vintage de 1996. Quase que se podia dizer que a partir daqui foi sempre a descer. E foi. Desceu um excelente Diga? da adega de Campolargo, um Romeira de 1970. Sim, 1970 e absolutamente maravilhoso. Um dos melhores tintos que já provei. E o Porto Vintage 1999, que se destacaram, obviamente. Com este cartão de visita não me admira que a carta de vinhos tenha recebido uma honrosa distinção na Revista dos Vinhos. É por demais evidente que o Terra Nostra tem uma das melhores garrafeiras do país. Até o Cristiano Ronaldo concordaria.
Já a subir foi o sentido que foi tomando a refeição propriamente dita, prato após prato num menu de degustação com 9 pratos.
Como vivemos na era do Twitter e ninguém está para ler mais que 140 caracteres seguidos, vou apenas sublinhar e destacar os pratos que mais me maravilharam, de uma carta que no seu todo dá uma nota evolutiva. Sente-se um enorme amadurecimento de ideias, e os conceitos muito mais bem trabalhados e explorando todo o universo de produtos regionais e produtos do próprio Parque.
É uma questão de patamares, a primeira ementa pós renovação colocou o Terra Nostra num patamar. Este patamar foi consolidado e trabalhado e agora com a carta Outono/Inverno evoluí-se de forma serena e tranquila para o patamar seguinte.
Quanto mais não seja por exclusão de partes, dificilmente haverá outro restaurante neste patamar.
Os meus pés foram arrancados do chão logo no amuse em que nos serviram um cogumelo Boletus, apenas com azeite extra virgem e flor de sal. “São cogumelos do parque Senhor”. Tratou-me por senhor porque deve ter percebido que eu estava no céu. Nenhum prato no mundo inteiro pode ser igual a este. E está tudo dito.
A omelete com queijo Castelinhos um prodígio técnico. Não sei se existem muitas pessoas que saibam fazer uma omelete, mas o Chef do Terra Nostra sabe e isso chega-me para já. Cremosa no centro e cheia de ar. O único reparo é em relação ao queijo que acredito existir melhor nos Açores. Jamais São Jorge, mas quem sabe ali para o Pico?
No seguimento, e numa das sequências mais fortes da ementa entra o Caldo Azedo, a minha némesis. O meu momento Anton Ego da noite, em que deixei cair a caneta de crítico e fui uma simples criança a comer o Caldo Azedo feito pela minha Avó.
Irrepreensível e escrito com uma estranha humidade a apoderar-se dos meu olhos. O entrecosto cozido a baixa temperatura, com pézinhos e boletus, mostra que os sabores de antigamente ajudam a credibilizar as notas de modernidade que podem ser dadas a um prato. Bolas, estamos aqui a falar de um torresmo. Já tinha ouvido falar na expressão meu torresminho, mas foi só ao provar este prato que compreendi esta expressão na sua plenitude.

Como gosto muito de aprender e usar expressões novas despeço-me com a seguinte consideração: O menu de Outono/Inverno do Terra Nostra está um torresminho. Ou é um torresminho? Não sei, mas creio que percebem a ideia."


quarta-feira, novembro 13

OS VERDES ANOS

Faz este mês, mais precisamente no vigésimo nono dia, 50 anos que estreou, em Lisboa, OS VERDES ANOS de Paulo Rocha, um dos mais significativos  filmes do chamado Novo Cinema Português. Novo porque, apesar da grande influência dos movimentos europeus (neo realismo italiano e nova vaga francesa) fugia aos cânones dos filmes convencionais de "fados, touros e pátios de cantigas" e rompia com a vinculação à ideologia vingente.

Segundo Jorge Leitão Ramos em 1989 "Visto hoje, Os Verdes Anos têm o grande mérito de ser um documento precioso sobre Lisboa do príncipio dos anos 60, o seu provincianismo, o desespero e a sufocação de uma geração jovem. Para o cinema, o filme revelava ainda a sensibilidade de um compositor (Carlos Paredes) que construiu um tema musical que ficaria célebre (...)."

Hoje, 50 anos depois, para se ver esta obra que muito influenciou várias gerações de realizadores portugueses ou se vai a uma sessão na Cinemateca (a quem Paulo Rocha doou todo o seu espólio) ou se encontra uma velhinha cassete VHS sem bolor perdida num qualquer caixote de "coisas inúteis".

Ou..., esquecemos todas as teorias das ilegalidades e enquanto não sai a edição prometida pela desapoiada Cinemateca Portuguesa aproveitamos a oferta do "Filmes Portugueses" abaixo.

Nota: OS VERDES ANOS teve estreia regional simultânea em três salas de Ponta Delgada (Vitória, S. Pedro e Solar) em 21 de Junho de 1964.



Por vezes rio mas, choro muito também.

Esta manhã, a bordo do avião da TAP que ligava Lisboa a Ponta Delgada, a fazer lembrar outros tempos, descobri Constantin Brancusi. Fiquei um pouco arreliado com a minha ignorância. Como era possível não o conhecer? Nunca ter ouvido dele falar? Se era assim tão importante figura (central do movimento moderno e um dos pioneiros da abstração). Para além de ter passado a valorizar um pouco mais as revistas de bordo dos aviões (esta bastante mais "gorda" do que a da SATA mas, de design muito "ruidoso"), fiquei contente por me sentir ignorante "in the grand scheme of things", por assim dizer. Afinal, o romeno Constantin Brancusi é o autor d'O Beijo e consta que foi de sua casa em Hobitza a pé para Paris, onde veio a falecer em 1957. Não sei porquê esta "ralação" mas, certo é que não fiquei indiferente. Talvez por cada um de nós ter, a dada altura, que fazer a sua caminhada e, não poucas vezes, por percursos sinuosos que nos fazem perder de vista os nossos horizontes. Celebremos, então, Constantin Brancusi com a sua intimidante simplicidade aqui esculpida para maldição dos pérfidos perfeccionistas, algo no qual tenho medo de me tornar.
                 
"O Beijo", aqui fotografada por autor desconhecido, foi realizada em 1907, tem 28cm de altura e pode ser apreciada no Museu de Arte na cidade romena de Craiova.

quinta-feira, novembro 7

para ajudar os amigos... a relativizar.

Índia lança primeira missão espacial para Marte terça-feira, 5 de novembro de 2013 07:35 BRST A Índia lançou nesta terça-feira sua primeira nave espacial para Marte, num teste para a tecnologia de baixo custo do país asiático que pode ajudá-lo a ingressar num clube seleto de nações que conseguiram explorar o planeta vermelho. A Missão Orbitadora Marte, que tem custo de 73 milhões de dólares, decolou da costa sudeste indiana na tarde desta terça (horário local). Se a missão for bem-sucedida, o satélite vai levar cerca de 300 dias para chegar a Marte e vai buscar metano na atmosfera marciana.

quarta-feira, novembro 6

10 anos


Hoje passam 10 anos desde que o :ILHAS iniciou a sua emissão. Ao longo deste período foram muitas as transformações por que todos passamos, entre profundas alterações tecnológicas, colaboradores, motivação, interesse ou mesmo disponibilidade.

A blogosfera já não é o que era, nem sei se alguma vez, nestas ilhas, ela chegou a ser qualquer coisa. O :ILHAS foi e terá sido, muito provavelmente, o que maior visibilidade teve.

Já demonstrei aos actuais inquilinos que quero prosseguir esta missão. No entanto, é necessário torná-lo mais apelativo nos conteúdos. Sabendo de antemão que a concorrência das outras redes é, provavelmente, mais atractiva na relação de proximidade que gera.

O arquivo do :ILHAS é, em parte ou no seu todo, uma parcela da história recente dos Açores e das intensas transformações operadas ao longo da última década. Tenho, por isso, uma enorme relutância em afastar-me do percurso trilhado até aqui. Espero consegui-lo. Desistir é sempre mais fácil.

Até já!

domingo, novembro 3

Aguenta-te sempre.

Meter a viola no saco e fugir a sete pés. Empacotar e seguir, fugir para outra dimensão. Zarpar que se faz tarde. Correr a tentar, tentar para conseguir, aguentar para não fugir, travar para não embater de frente. Com mais ou menos liberalização, os senhores do costume mandam e desmandam, sem que para tal sejam orientados por uma conduta ética. De fio a pavio nada se consegue, mesmo para aqueles que se esforçam em prol da coerência. Será que estamos condenados a marinar neste estado de letargia em que aparentemente mergulhamos?

Vemos por todos os lados, a todas as horas, sinais de aviso, achtung, advertencia, warning, attention, attenzione, opgelet e não ligamos porque estamos como contentes, em fuga para a frente, contracenando com a amizade, derramada em baldes de cola. Estes são os dias que correm, com todos a fazerem os fretes habituais e, no mais profundo silêncio, arrastam, quase todos, o fio da amargura que os prende aos compromissos assumidos e às expectativa criadas. Mas há os que não fogem, os que não correm, os que não falam, os que não gostam, os que não discutem, os que não sorriem, os que não lutam mas, não se apercebem. Por outro lado, julgam muitos os muito poucos que idealizam. Gozam os poucos pelos muitos que sofrem. O desequilíbrio acentua-se aceleradamente e, como o amanhã demora a chegar, paramos todos.

Açores, aguentem-se firmes! Alguém há de nos vir tirar deste suplício (parece ser, pela ausência de atitude, o que muitos pensam).

do we love it?

O que teríamos nós para dizer sobre o sítio que amamos?


What do you love about Lisbon? from Lisbonlovers on Vimeo.

What do we love?

quinta-feira, outubro 31

sábado, outubro 26

Aviso à navegação



INFORMAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA » Os leitores do Açoriano Oriental podem ganhar bilhetes para o espetáculo d' O Experimentar Na M'Incomoda que se realiza esta noite, a partir das 21h30, no Teatro Micaelense.

Quem apresentar a edição do Açoriano Oriental, deste sábado, na bilheteira do Teatro Micaelense, na compra de um bilhete para o espetáculo recebe o segundo de oferta.

A bilheteira abre às 16h30.

quarta-feira, setembro 25

O 'Funchal' em Ponta Delgada

A propósito da passagem do paquete 'Funchal' por Ponta Delgada, 31 anos depois da sua última passagem pela cidade, uma renovação do header do :ILHAS com recurso a mais uma excelente fotografia gentilmente cedida pelo Rui Soares.

O nosso Muito Obrigado!

terça-feira, setembro 24

Garden Islands

AZORES // Pico is the second-largest island in the Azores, with a unique topography defined by terraced hillside vineyards. These distinctive stone-walled lots are a Unesco World Heritage Site, rich with volcanic soil and densely planted with white Verdelho wine grapes. Fall marks the start of festival season here—capped in October by the annual food festival, where free-flowing Verdelho is served with local cheeses and charcuterie.
@ The Wall Street Journal.

sábado, setembro 14

Jobs is gone. (?)

Jolie O'Dell/VentureBeat
“This week, Apple unveiled a respectable upgrade of its iPhone line. So why do I feel so disappointed? Maybe it's because we expect so much from Apple. This is the company that brought us the first MP3 player that really mattered, the first smartphone to truly take the world by storm, the first successful touch-screen tablet, and the first ultralight notebook that people were really happy to use. And that's all just in the past few years -- reaching back further than that, Apple is responsible for the first all-in-one PC, the first commercially successful graphical user interface, and many more product design, manufacturing, and retail innovations. (…) One of the reasons we were all hoping for an iWatch is that this is exactly the kind of product category Apple excels at doing. As it did with tablets, we all wanted Apple to come in and show us how to build a product that people will really want. No doubt Apple would come up with something more elegant, more svelte, and more desirable than anything that's come before, and suddenly no one would mind spending $200 or $300 on a smart watch any more. But Apple didn't do that. There was no sign of a watch. So those of us in Silicon Valley are left watching, wondering, and feeling a little empty inside. Maybe it will show us something amazing later this fall, as CEO Tim Cook has promised. Maybe not. In the meantime, we're left with these multicolored iPhones, and a growing sense that Apple is turning into a more ordinary tech company every day.
Jobs is gone. It looks like Apple's magic is slowly seeping away now too.”

Muitas leituras se podem fazer a partir de um artigo desta natureza. Tenho a minha apreciação feita e deixo à consideração de quem quer que seja que o leia fazer a sua.
  
Artigo de: Dylan Tweney que pode ser lido na íntegra aqui


sexta-feira, setembro 13

"SACA-ROLHAS” Taberna

Para gáudio dos convivas, Fernando rapava o “tacho”. Um dia, raparam-no a ele.
O “tacho” desapareceu e, com ele, Fernando também. Contudo, uma trémula chama, substituiu o  lume outrora forte e a comida não deixou de se fazer. É que há pessoas que encontram energia onde pensamos já não existir e, passado não muito tempo, (h)eis que aparecem para nos surpreender.
Fui ao “Saca Rolhas” pela primeira vez pela mão de um amigo (na realidade fui de carro mas, isto agora não vem para o caso) e fiquei agradavelmente surpreendido com a simplicidade do produto, com a natureza gastronómica e, não posso esconder, com o acentuado ar de bonacheirão do nosso anfitrião.
Senti que, naquele despretensioso restaurante, havia uma certa genuinidade no ar e que pisávamos solo açoriano. Dei por mim, dias mais tarde, assomado por uma coragem pouco habitual, a recomendá-lo a um casal amigo (ela de Lisboa e ele de uma qualquer parte solarenga de Espanha) e o feedback, positivo por sinal, não se fez esperar, ficando eu feliz por ter proporcionado a um casal - ansioso por se deixar impregnar pelos Açores - uma experiência sensorial memorável, muito para além daquilo que o palato teve ocasião de experimentar.
Curioso e incrédulo quanto à desejada constância do negócio – doença da qual enferma a maioria dos nossos “restauradores” – ensaiei, guloso, um encore malicioso para ver o quão certo se encontrava o vaticínio e dei de caras com um anguloso restaurante. Percebi que a vida também nos brinda com circunstâncias nas quais nos sentimos perfeitamente arrebatados e estupefactos perante a firmeza subtil que nos atinge o ego inflamado e decidi voltar com a família, como se o processo de validação tivesse culminado ali, naquele instante.
Agora, ao jeito de qualquer crítico ou do seu alter-ego, podia dizer-vos o que comemos e quanto pagamos. Ao invés, vou manter a observação ao nível platónico (como o amor de muitos pela cristalização do sabor) e focar-me na atmosfera acolhedora que, pontuada por quatro paredes que contam histórias, a história do espaço e as histórias dos muitos que por ali passaram, coroa a belíssima viagem em direcção ao pôr-do-sol, que calmamente se faz até lá se chegar.

E se tiverem a sorte do Fernando vos contar uma das suas histórias... Bem!
SACA-ROLHAS
Rua da Corujeira, n.º 3 Relva
telf; 296716747 tlm: 967178973 e-mail restaurantesacarolhas@gmail.com

quinta-feira, setembro 12

quarta-feira, setembro 11

segunda-feira, setembro 9

+ boas notícas

Aquatic drone Ziphius by startup Azorean, winner of both 1st place "Engadget Insert Coin" awards, which recently reached its funding goal on crowdfunding platform Kickstarter, featured in the October edition of WIRED UK.

sábado, julho 27

Sunset Elegance

foto daqui

Aos Açores, há sempre a gente a chegar (!)

Podem ser poucos mas, atraidos sabe-se lá porquê, aos Açores, há sempre gente a chegar.

Será o mistério? Que mistério? O que envolve? O que desafia? Serão os Açores um mistério esclarecedor?  Não serão com certeza mistérios como os da imensidão quente de África. Mas, porventura, partilharão eles similiaridades, denotando ambos pouca permeabilidade, como que um sinal da fraca noção da efemeridade da vida que as gentes isoladas têm?

Com tanta pergunta, acredito que só mesmo os mais curiosos se importarão connosco e com o nosso percurso, diferente do de outras colónias do Portugal de outrora. Fica, no entanto, a certeza de que a viagem está sempre no nosso horizonte: Para lá ou para cá; Entre o futuro e o passado; Entre o conceito e o preconceito; Entre as ilhas e, sobretudo, entre as gentes.

Seja como for, está visto (!), o "Walk & Talk" magnetiza mesmo!

foto: não lhe conheço a autoria mas, é "fish(e)" e foi tirada daqui

terça-feira, julho 23

Pérolas, colhidas ali, n'A Esquina do Rio

(...)
Ficar
Na semana passada descobri os Açores. Melhor dizendo, ajudaram-me a descobrir os Açores, insistindo comigo para que fosse. Fiquei muito contente por ter ido: estive cinco dias em São Miguel e fiz quase setecentos quilómetros por estradas grandes e por estradas pequenas, indo a todos os recantos e parando nos mirantes que encontrei. Comi bem em bombas de gasolina e em esplanadas em cima do mar; no Hotel onde fiquei e, em restaurantes onde fui e em casa de amigos que me acolheram. Na estrada, por todo o lado me ajudaram com indicações de caminhos e sugestões do que ver. Fiquei rendido a São Miguel e com vontade de descobrir o resto dos Açores. Tive a boa sorte de ficar no Hotel Terra Nostra, nas Furnas, e não podia ter ficado melhor. O Hotel está num parque natural, único, cuidadíssimo, onde é um prazer passear, e que mostra a diversidade da flora da ilha. Não é muito fácil para mim descrever a natureza, mas este é daqueles locais onde apetece ficar, ao qual se quer voltar. No meio do parque está um enorme tanque circular, de água termal, quente, onde se entra para perceber que o descanso não é uma palavra vã e o conforto é um conceito que não se esgota no óbvio. Hei-de voltar a este Terra Nostra - já me tinham dito que é um local que exerce fascínio. Comprovei ser completamente verdade.
(...)
Provar
Desta vez não vou falar de um só restaurante mas do que provei em vários sítios. Primeiro, falo do mar: de uma abrótea e de um veja que me acolheram no Terra Nostra e que reconfortaram das viagens. De umas lapas grelhadas das quais viciosamente abusei numa esplanada na Ribeira Grande, acompanhado por um branco seco, local, o Curral Atlantis com acidez adequada aos petiscos do mar. Mas, sobretudo, devo destacar um peixe que ignorava, de textura e sabor até então desconhecidos, e que mesa amiga me deu a provar - um rocaz, fantástico. Mas quero também falar do queijo de São Jorge, acompanhado de chutney de ananás e servido com o Czar, um vinho generoso do Pico e que deve o seu nome à preferência que os titulares da coroa imperial russa tinham por ele, ao ponto de comprarem toda a produção. E já tenho saudades da carne, bem cozinhada, bem temperada e sobretudo tenríssima, a puxar por um vinho tinto, do Pico, o Basalto, de uva americana, servido refrescado, a acompanhar bem estes petiscos carnívoros. E por falar isso, remato com o célebre cozido das Furnas, que leva sete horas a fazer em buracos no chão vulcânico, com os enchidos da região - de que se destaca a morcela - com batata doce e inhame ao lado do entrecosto, da couve e do repolho. Imperdível, a gastronomia açoriana.
(...)
Ver
De há uns anos a esta parte assistia à presença da Galeria Fonseca Macedo, de Ponta Delgada, na Arte Lisboa, na FIL, onde tem tido uma presença que chamava a atenção. No meio das minhas voltas micaleenses da semana passada, tive a sorte de coincidir com uma nova exposição - "Austeridade" de Ana Vidigal, e "Osso" de Paulo Brighenti, ambas possíveis graças à colaboração com a galeria Baginski, de Lisboa. Situada no centro de Ponta Delgada a "Fonseca Macedo" é uma lufada de ar fresco, dedicada à arte contemporânea, e que tem desenvolvido um núcleo de coleccionadores açorianos, alguns dos quais conheci naquela noite. Gostei de rever estes trabalhos recentes de Ana Vidigal e de Paulo Brighenti, de os sentir ali apreciados, a meio do Atlântico. Nada como uma noite de abertura de uma galeria de arte contemporânea para nos permitir tomar o pulso a uma sociedade - ver quem vai ser visto, quem vai por dever de ofício, ou quem vai porque gosta de descobrir. Felizmente foi uma noite, para muitos, de descoberta.

Textos da autoria de Manuel Falcão,  no Jornal de Negócios

Azores: Isles are so Azorable

Azores, Getaway, holiday, travel, daily star, portugal, flights, deal

Tapete de flores



Uma das boas iniciativas presentes na edição de 2013 do Walk&Talk.

Parabéns à HDG e à Sala 2!

quarta-feira, julho 17

Noite de Festa


Inserido no AMOSTRAM’ISSE”– Mostra de Cinema dos Açores, foi exibido o filme Noite de Festa, do micaelense Nuno Costa Santos (em parceria com Tiago de Carvalho e Nuno Simões, como gosta de realçar o autor), em estreia na ilha Terceira, no passado dia 4 de Junho, no Centro Cultural e de Congressos.
Trata-se de um filme que encaixa na área do documentário, embora ficcionado, onde acompanhamos o regresso de Nuno Costa Santos a São Miguel, escritor e guionista a residir em Lisboa, já com vários livros publicados, colaborador assíduo de várias revistas, e já teve também um programa de televisão no Canal Q (“Melancómico”).
Esse regresso tem um motivo: anda à procura dos seus discos de vinil, que tanto influenciaram a sua adolescência, e lhe moldaram mesmo o carácter … Será uma viagem onde se mistura o antigo, o passado e o recente, assim como as novas e desconhecidas realidades da ilha.
De facto, como também refere Nuno Costa Santos algures, as músicas e bandas que ouvimos na adolescência (e pós-adolescência, permitam-me acrescentar) são as mais importantes das nossas vidas, pois é uma fase de definição da nossa identidade e personalidade – e esse é o mote do filme, conjugado com uma análise às diferenças que encontra em São Miguel nos últimos 20 anos, desde que saiu para Lisboa.
O filme consegue passar a sua mensagem, intenção aliás da equipa responsável, partindo de uma história individual, mas com a qual todos se identifiquem – principalmente se pertencem à mesma geração dos realizadores (35-40 anos). E foi o que se passou comigo, vibrando ao ver tantas referências musicais que fazem também parte da minha adolescência, fazendo-me também recordar o que foi sair da ilha para estudar em Lisboa, e o contacto com novas realidades musicais.
Foi maravilhoso ver referências seminais aos The Cure, as capas dos discos de vinil dos Throwing Muses, ouvir música dos Dead Can Dance, e culminar tudo com várias alusões aos Stone Roses… O filme tem uma curiosa frase de Nuno Costa Santos, ao referir-se a essas bandas, “que já ninguém as quer ouvir hoje em dia” – pois felizmente não é verdade, e temos o Optimus Primavera Sound a provar isso mesmo, festival que decorreu recentemente no Porto, onde as bandas que vingaram este ano foram exatamente os My Bloody Valentine, Dead Can Dance e a grande presença e atuação de Nick Cave!


Termino com uma frase de Nuno Costa Santos, num artigo da Azorean Spirit (n.º47), que resume, e como sempre, bem, o essencial do que aqui se disse: “Agora quem diz discos perdidos também diz milagres encontrados. Até já, numa sala de cinema perto de si.»

Miguel Costa



(Outro texto sobre o filme da autoria do terceirense Miguel Costa e publicado no "Diário Insular")

Noite de transgressão

Inspirado no filme Noite de festa de Nuno Costa Santos e (Outros autores)

Noite de Transgressão.

1. Introdução
2.   O meu pai
3.   O Carlos
4.   O Hélder
5.   O Nuno
6.   A Sheila

1.   Introdução

Vi no outro dia o filme do Nuno Costa Santos Noite de Festa.
É um documentário. Normalmente documentário é o nome que se dá a um filme que é mais interessante que a média dos que são feitos para aí, mas que não teve cheta para ser produzido.
Percebo bastante disso, pois a minha vida é ter ideias para as quais ninguém tem dinheiro para produzir.

Mas ficar indiferente a um tipo, que a chegar aos 40, regressa à sua ilha para resgatar os seus discos perdidos é impossível. A música é transversal e universal. Toca a todos. Até a um anormal como eu. Todos nós temos os nossos discos, as nossas músicas. Somos viralmente interseccionados por ritmos, sequências de notas e códigos que de forma um tanto ou quanto estranha nos despertam sensações e emoções.  Talvez por isso seja muito estranho escrever sobre música. Porque não se escreve sobre música, a música é que se escreve. E isso devia chegar.

No caso específico do Nuno e do seu grupo de amigos, não consigo colocar a questão numa estrita procura por discos efectivamente perdidos, embora acredite que existam uns quantos mistérios. Até eu tenho discos do Pascoal em casa.
Porém, creio que a questão passa um pouco por revisitar os sentimentos. Do sentir a música como eles sentiam. É uma viagem emociomusical.

Olhava para o grupo de amigos do Nuno como betos. Já eu, com educação e condições sócio económicas semelhantes, era igualmente beto. Mas eu e os meus amigos éramos betos transgressores.

Enquanto eles deram festas memoráveis com alta música, a que muito poucas fui, pois eram festas de betos, nós não demos festas. Não fizemos amigos para a vida e muito menos perdemos discos que justificam reencontros. Não tínhamos tempo para isso.

Fugir da polícia, ser preso, ir para as urgências do hospital, tentar fazer descarrilar comboios, pegar fogo a carros tomavam muito tempo. Não dava para organizar festas.

Que estupidez.
O que eu não perdi?
Foi o que pensei em alguns momentos do filme.

Hoje, os amigos do Nuno, são homens bem postos, directores disto e aquilo, são artistas, são agricultores de sucesso. São inteligentes, e porque não dizê-lo, bonitos. (Repare-se que quando era um beto transgressor não podia dizer isso). E acima de tudo, são cultos.

Já eu e os meus amigos somos publicitários, prostitutas, pianistas em cabarets, esteticistas, taxistas e cabeleireiras. Somos feios. Não nos damos e não temos nada em comum. Nem uma coisa tão simples e vibrante como a música.

Nasci para ser beto e arruinei o meu destino porque ouvi Doors cedo demais.

Uma vez calhou ser Erik Satie. É claro que não me podia esquecer deste. McCoy Tyner foi outro exemplo de um CD e artista inesquecível que me veio parar aos ouvidos por essa via. Mas o Carlos tem um grande à vontade no Jazz, por isso neste campo é quase nosso senhor. Com ele vieram os clássicos Miles Davis, John Coltrane, Chet Baker, Duke Ellington. Veio também a certeza que o Cole Porter em conjunto com o George e o Ira Gershwin devem ter escrito para aí 90% da história do jazz. 
Mas o facto curioso dos meus discos perdidos com o Hélder, é que eu não tenho discos perdidos com ele ou em casa dele. Os discos perdidos dele estão comigo, em minha casa.

Abria-se de novo a porta para a minha verdadeira natureza eclética. Não se pode renegar ao que somos. Eu nasci no meio da colecção de discos, sem grande lógica, do meu pai e por mais que a insegurança adolescente me quisesse fazer pertencer ao grupo dos mais independentes e alternativos a pirosidade está-me no sangue.

Abria-se de novo a porta para a minha verdadeira natureza eclética. Não se pode renegar ao que somos. Eu nasci no meio da colecção de discos, sem grande lógica, do meu pai e por mais que a insegurança adolescente me quisesse fazer pertencer ao grupo dos mais independentes e alternativos a pirosidade está-me no sangue.



2. O meu Pai

O meu pai era uma besta. Não por me bater, ou tratar particularmente mal. O meu pai era uma besta, como muitas bestas de outros pais, porque não me ligava nenhuma.
Verdade seja dita que se diferenciava das outras bestas por uma questão em particular: era dono de uma discoteca.

Já viram a sorte de um beto transgressor cujo o pai tem uma discoteca?

Lá em casa havia um Tecnichs SL 1200 e uma colecção interminável de discos.

A besta do meu pai, ao que tenho ideia, não tinha gosto musical. Como boa besta que era, tinha tudo.

Já viram a sorte de um beto transgressor cujo o pai tem uma discoteca e que em casa tem todos os discos do mundo?

Todos os discos do mundo não. Ele tinha todos os discos mainstream.

Mesmo assim, já viram a sorte de um beto transgressor cujo o pai tem uma discoteca e que em casa tem todos os discos do mundo, menos os que o Nuno e os amigos mandavam vir da Contraverso em Lisboa?

Mais velho, também fui muitas vezes à Contraverso comprar discos. Mas não era a mesma coisa. Pelo menos a julgar pela total ausência de relação quando lá ia. Já o Nuno que picava discos pelo telefone, para os encomendar, deve ter ficado no imaginário dos Contraversos.
Mais uma vez se prova que muitas vezes não é o ter à disposição, mas sim o querer ter.

De qualquer das formas, ter à disposição aquela infindável colecção de vinis era qualquer coisa de maravilhoso.
Nesta fase não conhecia nada. Era virgem até às orelhas.
Qual terá sido a sensação de ter ouvido os Sultans of Swing dos Dire Straits pela primeira vez? E o The Wall dos Pink Floyd?
E a discografia completa dos Beatles, descoberta faixa a faixa, música a música?
Os meus amigos ouviam Ana Faria e os Queijinhos frescos e eu já ouvia o Asas e Penas do Jorge Palma ou o Ar de Rock do Rui Veloso.



Qualquer nome que me falassem, sem excepção, estava na colecção de discos do meu pai. Roxy Music, Fleetwod Mac, Bananarama, Supertramp, Police, KC & The Sunshine Band foram os que mais me passaram pelas mãos, mas a lista é interminável.

O meu pai até não ouvia muita música porque era uma besta. Já eu era só uma criança inocente, com muito tempo livre e muitos discos à disposição.
Estava sempre a ouvir e a descobrir coisas novas só por mim. Sem ninguém dizer é bom, é mau, é assim assim. Tal como um virgem que quando perde a virgindade quer lá saber se é bom, ou se é mau. Desde que seja.

3. O Carlos

Já viram a sorte de um beto transgressor cujo o pai tem uma discoteca e que em casa tem todos os discos do mundo, menos os que o Nuno e os amigos mandavam vir da Contraverso em Lisboa?

Seria mesmo sorte ter tantos discos à disposição?

Claro que não.
Eclético demais para se formar um critério e um verdadeiro gosto musical.

A besta do meu pai obrigava-me a trabalhar na discoteca durante o verão. E quanto a isso só posso dizer uma coisa: obrigado besta.

Perder o meu tempo a furar ondas na praia do pópulo e a tentar engatar miúdas com conversas verdadeiramente idiotas, quando podia passar o dia mergulhado em discos?

Era inacreditavelmente má a música que a maioria dos clientes compravam. Artistas dos quais nunca tinha ouvido falar sequer.
Mas eu também não andava longe da mediocridade. A ideia que tenho da altura era que ouvia Madonna e tretas desse género. Agora... agora é giro ouvir o Lucky Star, mas acreditem que na altura era verdadeiramente deprimente.

O Carlos mudou a minha vida musical naquela altura e fez de mim um homenzinho. Ele trabalhava na discoteca e percebia de música. Aliás ainda percebe. E muito.
Sempre que me via a escolher alguns cd’s dizia:
-   Não vais ouvir essa merda, pois não?
E ponha-me na mão outro disco qualquer.


A vida já não era a mesma. Não dizia conversas idiotas durante o dia às miúdas, para ter doutas conversas sobre música à noite. E mais giro, tinha dinheiro para lhes pagar copos.
Aqui que ninguém nos ouve, apenas lê, muito piratiei eu. Bastava que o Carlos me desse uma boa dica que aquilo passava de imediato para uma cassete para estudar em casa.

Congeminámos juntos e telepaticamente uma revolução na discoteca. Só encomendar coisas fixes e obrigar os maus clientes a ouvir boa música.
Não deu certo, basicamente, porque a besta do meu pai, quando via a nota de encomenda, entrava em cena e dizia:
-   Esta merda é para vender discos.
E com razão.
Aqueles que pensávamos serem maus clientes, porque tinham um péssimo gosto, eram no fundo os nossos mecenas. Aqueles que permitiam passarmos tardes a ouvir música e a falar de música. Com um shot ocasional de bagaço, à vez, ali ao lado no Aliança, que para ouvir um bom som tem que ser em etéreo.

4. O Hélder

Paralelamente havia o meu tio Hélder, que era doido na altura, mas que agora já está bom. Como profissão partia carros, casas, dentes, pernas, costelas e comia copos de vidro a olhar fixamente para o DJ do Cheers quando passava música de merda. Era quase sempre.
A primeira vez que coloquei uma cassete no carro dele foi ejectada dois segundos depois e atirada pela janela. Era o The time of my life, do Bill Medley e da Jennifer Warnes.

-   Que merda é esta?

De seguida meteu John Zorn. Que coisa demoníaca era aquela? Jesus nosso senhor.
Não entendi nada. Mas passei a respeitar o gosto musical do meu tio. Merdas daquelas no carro dele não.

Agora digam lá que não é uma sorte para um beto transgressor cujo o pai tem uma discoteca e que em casa tem todos os discos do mundo, menos os que o Nuno e os amigos mandavam vir da Contraverso em Lisboa, e ainda por cima tem um tio que atira música de merda pela janela e com a outra mão nos dá um bom punhado de discos vinil, em ótimo estado, com pérolas como o primeiro disco dos Massive Attack, o Blue Lines de 1991, tinha eu uns 16 anos?

Pelo meio, o tal John Zorn, discos do Izumi Kobayashi, Bel Canto, David Sylvian, Nick Cave.  Mas confesso uma coisa, a maioria dos nomes serão tão independentes ou alternativos que nem os consegui reter. Há importações do Japão e bandas que nunca ouvi falar. Aliás, nenhum amigo meu conhece o Heinner Goebbels para além do meu tio, se é que ele existe mesmo. Mas o disco “Der mann im fahrstuhl” é fabuloso.

Como o meu tio era doido, desconfio que ele tinha um amigo que percebia muito de música. De vez em quando ponho a tocar uns quantos discos desconhecidos e são todos eles bons. Sem excepção.

Não foi a influência mais pedagógica porque vendo bem não há qualquer pedagogia em atirar cassetes pela janela fora, muito menos um percurso para chegar ao John Zorn deve ser feito daquela maneira. Mas a atitude, ó meu deus, a atitude rock star decadente e deliquente era música para os meus ouvidos.

O Mick Jagger queria ser como ele e a Bo Derek queria estar com ele.
Eu também queria muito a Bo Derek. Mas primeiro tinha que perceber John Zorn.


5. O Nuno

Foi o papel do Nuno fazer-me perceber John Zorn.
Colega de casa, ele no primeiro ano de economia ou gestão, eu ainda no 12º ou 11º, não me recordo bem.
Do que me lembro é que o Nuno era um paz de alma. Não sei como ele me aturou tanto tempo. A mim, e a cambada de betinhos transgressores que metia dentro de casa a qualquer hora do dia ou da noite.
Apesar das boas influências do meu pai, do Carlos e do Hélder a verdade é que também continuava a ouvir música muito duvidosa. E o pior de tudo é que não tinha qualquer pudor em por Guns’n’Roses a tocar. O que não deve ter sofrido o Nuno.
Mas a verdade é que com a minha idade toda a gente ouvia os Guns’n’Roses e depois os Nirvana. Isso não tinha nada de mal. Éramos pirralhos e era seguro gostar do que todos gostam.

Não tinha nada de mal?
Se tivesses o gosto musical do Nuno deveria ter e muito. Enquanto eu fui a um dos últimos concertos de Nirvana na praça de touros de Cascais, o Nuno já era um Senhor. Já tinha ido ver Einstuerzende Neubauten e Young Gods.
Maravilhavam-me os relatos dos objectos que eram usados para fazer som, dos andaimes em palco, todo um aparato independentista que nada tinha a ver com o Top + que passava na RTP 1 e na minha aparelhagem.
Ele ouvia The Fall, toda aquela onda de Madchester: Happy Mondays, Joy Division, Primal Scream e gostava muito dos United Future Organization. Depois ainda vinham os Cocteau Twins, Stone Roses, os Blur, os Charlatans, e mais os Smiths, e My Bloody Valentine, Pixies. Era uma armada invencível que agora sim, iria mudar a minha vida para sempre.

Porra, como é que o Nuno, só dois anos mais velho que eu, tinha um gosto musical extraordinário com cenas tão fixes e tão cheias de onda e eu ouvia Guns’n’Roses?
Chamei uma data de amigos lá a casa e vendi todos os meus discos de merda. Incluindo o tal de Guns’n’Roses.



Dois, três anos mais tarde, quando o Nuno me comunica que o pai tinha comprado um apartamento e que ele iria sair lá de casa foi um momento triste. O Nuno era o meu ganha pão musical. Podíamos perfeitamente ter mantido uma relação, fosse ela suportada nos discos ou mesmo na nossa simples convivência. Mas eu continuava muito mais motivado em transgredir e a por em risco e minha vida e a vida dos meus amigos fazendo coisas verdadeiramente parvas.
O pai de um amigo meu, que era advogado, ameaçava-o sempre dizendo que a polícia nos andava a vigiar, a ver se ele se portava bem. Anos mais tarde, numa festa devassa, com música péssima, em casa deste meu amigo descobrimos numa gaveta do escritório um envelope e lá dentro estavam fotografias nossas e vários relatórios policiais.
Se eram verdadeiros, ou falsos, não sei. Sei que a festa acabou naquele momento. E devemos ter andado uma semana tipo meninos do coro até voltar a atirar televisões do 14º andar para a rua.
Por melhor banda sonora transgressora que fossem os Clash, não foi, nem era o suficiente para que me deixasse de sentir órfão daquele grande mentor que foi o Nuno.

6.   A Sheila

Mesmo assim o Nuno tinha deixado pistas suficientes para me orientar sozinho. Não deu propriamente a cana, mas deixou muito peixe.
Já na faculdade, tal como qualquer bom português, não aprendi rigorosamente nada, nem fiz grande amizades musicais.
Foi aí que percebi que estas pessoas tão especiais que tinham feito parte da minha vida musical tinham também outra propriedade: eram raras.
Isto fez-me valorizar ainda mais a Sheila quando a conheci.

A Sheila simboliza para mim a música na publicidade, pois foi das pessoas mais versadas na matéria que encontrei. Quando falo dos discos perdidos da Sheila, falo de discos que o mundo perdeu. Anne Shelton, Ink Spots, Lew Stone Band, Lale Anderson, Ray Noble e tantos outros. É impressionante o legado de discos dos anos 20, 30 e 40 que me acompanham até hoje.

Se a tentasse definir diria que a Sheila é uma caralha com um gosto retro kitsch. Aliás, eu próprio não sabia que era retro kitsch até a Sheila me mostrar um punhadinho de músicas compiladas numa banda sonorosa fabulosa: The Singing Detective.

A Sheila ouvia José Cid, Tony de Matos e Vítor Espadinha sem qualquer tipo de vergonha na cara.

Há um pormenor. A Sheila era publicitária.
Um publicitário não se fecha sobre um estilo, um género, moda ou onda.
Se “Dou-te um doce” da Lena D’Água funciona melhor para o anúncio do Corneto do que aquela música muito gira dos Velvet Underground, pois que seja a Lena. Um anúncio de bacalhau prestar-se-á muito melhor a uma música do Quim Barreiros do que Pshyco Killer dos Talking Heads.

Esta é a inabalável despreconceitualização da música que só a publicidade me conseguiu trazer. São todos filhos de Deus. O Pedro Abrunhosa está ali ao lado do Freddie Mercury. É claro que quando abre boca se percebe que o Pedro está fora do seu elemento. Mas se só abrir a boca quando mandamos está por direito próprio naquele eclético grupo que habita o meu imaginário musical.

Foi no momento em que coloquei a tocar Lionel Richie na agência e não fui gozado que percebi que tinha atingido a minha maturidade musical.



Pior ainda quando alguém como o teu director criativo acha graça a quereres colocar uma música de jazz dos anos 20 num filme futurista. Ou que a Rose Marie do Slim Whitman fica genial num filme que retrata uma manifestação violenta.

Pela primeira vez na minha vida o meu gosto musical era uma coisa gira. E eu ganhava dinheiro com isso.

É claro que a musica digital muito me ajudou a expandir conhecimentos. Quando ouvia algo de novo, havia sempre um referência e atrás dessa referência uma outra referência. Pelos vistos há sempre alguém que “samplou” alguém.
É um movimento circular infinito. A música não começa ou acaba. Continua.

Fica apenas a enorme curiosidade sobre o que fará o meu tio Hélder quando partilhar com ele o “Love is strange” da banda sonora do Dirty Dancing no Spotify.
Abençoada era digital.

Agradecimentos
Nuno Costa Santos pelo convite para escrever esta peça.
O meu pai é o António Soares do Rego. O Carlos é o Carlos Pacheco. O Hélder é o Hélder Soares do Rego. O Nuno é o Nuno Alves e a Sheila é a Sheila Redburn Nunes.

Banda Sonora

1. Introdução: Devo - Whip it
2.   O meu pai: Dire Straits - Lions
3.   O Carlos: John Field - Rondo in Eb
4.   O Hélder: Masaru Satoh & His Orchestra - Yojimbo Main Title
5.   O Nuno: Kurr - Seoul
6.   A Sheila: The Teddy Bear’s Picnic - Henry Hall e Val Rosing

Bónus: The Doors - Queen of the Highway

Luís Rego

(Pedi ao Luís Rego para, do ponto de vista dele e do seu grupo de amigos, partisse do filme "Noite de Festa" para falar dos seus discos e do seu mapa musical. O resultado foi esta bela e muito divertida jornada cronística - que emocionada e abetalhadamente agradeço).